domingo, 22 de dezembro de 2013

LITERATURA COMO PROJETO

Por Elizeu Tomasi

O homem que não lê bons livros não tem nenhuma vantagem sobre o homem que não sabe ler.
(Mark Twain)

O desafio da escola atual ultrapassa os limites do simples incentivo à leitura. Oferecer livros bons e de qualidade e garantir o acesso aos livros faz parte da missão de toda instituição escolar. Esse fato se explica pela importância que a leitura tem dentro do processo de ensino-aprendizagem. Se atentarmos para os alunos que apresentam os maiores problemas de aprendizagem, vamos logo perceber que tal falha decorre de uma dificuldade leitora.
Reconhecendo a importância de se formar alunos leitores, é que as escolas desenvolverem projetos internos que visam o incentivo à leitura, oferecendo livros e gêneros textuais diversificados para serem lidos.  Acontece que muitas vezes tais projetos acabam engessados pelo próprio currículo da escola e as ações de incentivo à leitura, restringem-se em estipular uma aula de leitura semanal, onde os alunos são induzidos a ler um material determinado pelo professor. Além de acabar tornando a leitura uma obrigação, este procedimento acaba gerando uma leitura mecânica e desinteressante e dessa forma o ato de ler perde seu sentido mais amplo que é o de proporcionar prazer.
Dessa forma, faz-se necessário (re) pensar os projetos de leitura p ara que além de proporcionar o acesso e proximidade dos alunos aos livros e a leitura, que visem, acima de tudo, incentivar a leitura livre e a autonomia dos alunos como leitores. Deve-se ter em mente que cada aluno/leitor tem um perfil de leitura bastante particular, o qual deve ser respeitado e desenvolvido dentro da escola.
Assim, um projeto de leitura eficaz deve dar ao aluno/leitor a oportunidade de escolher seu livro e seu ritmo de leitura. A escola precisa se transformar em seu todo, tornando-se um ambiente de leitura – uma grande biblioteca em todas as suas dependências. As atividades propostas devem levar em consideração, o fato de que a leitura em si só já é uma pratica e não deve ser encarada como um meio de avaliação. Afinal, segundo os PCNs, “ler por si só já é um trabalho, não é preciso que a cada texto lido se siga um conjunto de tarefas realizadas”, e nesse sentido, as atividades de promoção de leitura devem ser desenvolvidas de maneira lúdica despertando no aluno/leitor o prazer da leitura.

A ESCOLA E O DESINTERESSE PELA LEITURA

Vivemos em um mundo dinâmico, que se modifica na velocidade da internet. Cada vez mais cedo as crianças são expostas a informação escrita por meio da internet e TV. Nestes veículos desde a tenra idade as crianças atuam como agentes ativos no processo de construção da leitura. No entanto, mesmo oriundos de uma geração imersa na leitura, percebemos um interesse cada vez menor pela leitura. Tal falta de interesse reflete diretamente no rendimento escolar. Sem a fruição leitora acentuam-se os problemas de aprendizagem e fracasso escolar tornar-se quase que inevitável.
A escola vem tentando a todo custo reverter esta falta de interesse dos alunos pela leitura. Mas basta propormos um projeto, ou uma simples atividade, de leitura aos nossos alunos para identificarmos o grau de resistência por parte destes. Ao questioná-los então, sobre o ato de ler percebemos que a grande maioria dos jovens e adolescentes não gosta de ler principalmente, no se tratando da leitura oferecida na esfera escolar. Nesse contexto, a escola luta contra uma aversão que ela mesma gerou nos alunos através da pratica de leitura por obrigação, mecânica e muitas vezes sem sentido.
É bastante frequente no contexto escolar, o professor apresentar uma lista de livros escolhidos por ele mesmo ou então retirada dos manuais didáticos e obrigá-los a ler um livro desta lista. Muitas vezes sem qualquer mediação do professor e, principalmente sem respeitar o perfil e o gosto do aluno como leitor, o professor acaba traumatizando o jovem leitor com uma leitura vazia que não o leva a compreensão. Tal incompreensão ignora o fato de que a leitura além de ser fonte de conhecimento, deve proporcionar prazer ao leitor.
Assim, imerso em um mundo de leituras incompreensíveis onde lê simplesmente para ser avaliado por meio de fichas, questionários ou resumos; o aluno acaba cada vez se afastando mais dos livros, os quais passam a ser considerados como um tortuoso castigo. A indagação então é como fazer para que os alunos, leitores em formação, descubram o universo da leitura de forma prazerosa e sem o peso da imposição ou o rigor da atribuição de notas?

O DESPERTAR DA LEITURA NA ESCOLA

A leitura deve ser considerada como uma prática cultural básica que condiciona a integração escolar, social e profissional de todos os integrantes da escola influenciando desse modo para o exercício da cidadania. Dessa forma, faz-se necessário que a escola incentive o valor da leitura despertando nos alunos o gosto pelo ato de ler.
Vale lembrar, que os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) já determinam que a escola precisa “organizar-se em torno de uma política de formação leitora”. Esta organização deve ser pensada de forma lúdica, para que desperte o interesse dos alunos de forma que estes venham sentir a necessidade de ler.
Afinal, nada é melhor do que aprender brincando. Vygotsky já postulava que o jogo e a brincadeira são eficazes para criar um ambiente de aprendizagem de conhecimentos e valores.  Vindo ao encontro da teoria de Vygotsky, a professora e linguista Angela Kleiman (2002), afirma que para formarmos alunos leitores precisamos primeiramente “seduzi-los com atividades atraentes” de forma a cativá-los e a desafiá-los.
Assim, a leitura não deve ser encarada como uma pratica isolada e silenciosa destinada a ambientes fechados e até certo ponto mórbidos. A leitura é ação. A leitura é dinamicidade. A leitura é principalmente colaboração. Afinal o próprio ato de ler já é colaborativo uma vez que o escritor conta com a “colaboração” do leitor na construção do significado do texto.

CONCLUSÃO

            É preciso desfazer o mito de que a leitura só é possível dentro de um templo sagrado, onde não se ri não se brinca não se fala. Um projeto de incentivo a leitura e a literatura deve apresentar o seu objeto – o livro – de forma atrativa e desafiadora para os leitores em formação. Os adolescentes precisam ser mediados no caminho de leitura e o professor tem um papel fundamental nesse percurso, não como alguém que prescreve livros, mas alguém que acompanha que conduz que apoia o aluno até o ponto em que este possa seguir por si só o seu caminho.
            A leitura é uma importante porta para a autonomia de nossos alunos e por isso não podemos deixar que a sua escolarização literária freasse o poder libertador da leitura. A escola deve ser um polo de leitura e discussão, onde a leitura flua livremente significando e sendo significada, para isso as aulas de literatura e a escola como um todo, devem deixar de lado a visão redutora de leitura centralizada na historiografia literária e na analise de obras.
            A literatura como projeto passa necessariamente pela fruição literária, o que só acontece se os leitores desde pequenos sejam inseridos no mundo da leitura. As crianças precisam ser expostas a leitura, manusear livros, ouvir histórias... Não adianta incluir a literatura nos últimos três anos da educação básica (Ensino Médio) e obrigar os vestibulandos a ler os livros canônicos da nossa literatura se na infância eles não foram despertados para a leitura.
            Enfim, enquanto a literatura é banida do ensino fundamental, o momento mais propicio para cativar os alunos a ler, no ensino médio a literatura é imposta de “goela a baixo” de forma abstrata que acaba afastando cada vez mais os leitores. E assim, para acabarmos com a crise da literatura é preciso que a escola se organize para fazer com que a leitura não seja apenas um discurso, mas uma realidade pulsante dentro da escola e que esta seja um biblioteca em sua completude.

REFERÊNCIAS

Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf  Acessado em: 02/12/2013.
KLIIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria e prática. 9ª ed. Campinas, SP: Pontes, 2002.

RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Literatura e Ensino I:9°período/Tânia Regina Oliveira Ramos, Gizelle Kaminski Corso  - Florianópolis: UFSC/CCE/LLV, 2013.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS NA LITERATURA PORTUGUESA


Por Elizeu Tomasi

           A Revolução dos Cravos (1974) representou para Portugal bem mais que a perda de poder sobre suas colônias, mas também provocou o “despertar literário” português. O povo que até então fora calado pela repressão fascista vivia agora a expectativa de ver uma Portugal que entrasse de fato para o contexto da modernidade europeia da época. E esse “despertar” com toda a certeza não aconteceria de maneira simples, ao acordar e se deparar com uma realidade totalmente diferente do colonialismo, Portugal entra em uma crise de identidade e cultural que o obrigava a refletir sobre “quem era na ordem do dia”.
            Neste contexto, como principal nome pós-moderno (re) surge o escritor português do Ribatejo José Saramago como um reformulador. Em sua metaficção historiográfica Saramago buscou na história a base para entender o então contexto social em que Portugal vivia, mostrando a história portuguesa, mas centrando na individualidade dos personagens como elemento modificador capaz de criar um novo passado para Portugal. Outro nome bastante importante deste período é, sem dúvida nenhuma, Antonio Lobo Antunes que traz para a literatura as experiências de guerra em uma tentativa de “maquiar” o fracasso português e amenizar os traumas – coletivos e individuais – vividos na Guerra de Independência Colonial Portuguesa.

            Ambos os escritores além de abordarem a criação de um novo imaginário português que fosse além das colônias, reformularam também aspectos formais da literatura. Saramago resgata a discussão linguagem/realidade mostrando que a linguagem tenta corresponder à ideia das coisas e jamais poderá fazer algo que não seja a sua essência. O escritor reconhece ainda a dialocidade da linguagem já que está existe com a intenção de comunicar. Saramago e Lobo lançam mão ainda de uma linguagem bastante distinta, fazendo uso de pontuação própria e de uma narrativa fragmentada e hibrida permitindo o diálogo entre gêneros diferentes e uma intertextualidade amplamente enriquecedora para o texto.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

LITERATURA SE DIVIDE?


Por Elizeu Domingos Tomasi

          O desenvolvimento leitor é um caminho criado e percorrido de maneira individual, respeitando o desenvolvimento pessoa do leitor e seu contato com o mundo dos livros. Que profissional teria condições de separar a literatura por faixa etária em literatura infantil, infantojuvenil ou adulta? Quem é capaz de dizer que um adulto está preparado para ler um tipo “x” de literatura, enquanto um adolescente deveria ler um tipo “y”?  E se o leitor adulto não se sentir preparado para ler “Dom Casmurro”? E se “Os Três Porquinhos” já não satisfizer uma criança de sete anos? Estariam os leitores presos a idade?
            Coelho (2000) afirma que a literatura infantil, assim como a literatura infantojuvenil, é apenas mais uma “face” da literatura. Seria, segundo o autor, como se a literatura se manifestasse de diferentes formas, a fim de atingir seu publico e seduzi-lo, o que de forma alguma quer dizer que ela se destine única e exclusivamente a uma faixa de idade. A literatura se manifesta de diferentes formas, mas se deixa seduzir por qualquer leitor seja ele criança, adolescente, jovem, adulto ou idoso. Assim o autor concorda com Ana Maria Machado (1999), que afirma que não importa se é infantil, infantojuvenil, adulta, o que importa é a literatura em sim própria.
            A dita literatura infantojuvenil por não ter suas fronteiras definidas vive uma espécie de “conflito de identidade”. Enquanto a literatura destinada às crianças faz mais uso das imagens e figuras, e a literatura destinada a jovens dedica-se a linguagem verbal. A infantojuvenil percorre este vasto e complexo espaço entre infância e juventude. Responsável pela inserção dos pré-adolescentes e adolescentes no mundo da leitura, a literatura infantojuvenil tenta mesclar o texto verbal, com o visual a fim de seduzir e chamar o leitor em formação para a literatura. E este “conflito de identidade” se explica principalmente pelo fato do “público” dessa literatura ser bastante escorregadio.
            No entanto, não podemos nos prender aos limites de idade para a definição de literatura infantojuvenil. Com a crise leitora em que se encontra o Brasil hoje, vemos muitos adultos sem contato com a literatura e está falta de familiaridade com os livros os colocam na categoria de leitores em formação, fazendo com que estes livros mais atrativos, com imagens, cores e formas sejam mais adequados. Desta forma o mais adequado é definir a literatura infantojuvenil como o “convite a literatura”, não para leitores desta ou daquela faixa etária, mais para todos os leitores. A literatura infantojuvenil vem a ser assim, uma forma apresentação da literatura em si, mais atraente e sedutora com a missão de atrair leitores (seja qual foi sua idade) e ser porta de entrada destes ao mundo mágico das histórias.
            Nesse sentido, é preciso reconhecer que os leitores não escolhem seus livros levando em consideração sua idade, mas sim em virtude de vários outros fatores, como interesse, gênero, influencia da mídia, de amigos e do professor e também levando em conta a própria apresentação material disponível: capa, ilustração; a estética do livro em si. Assim, a escola ou biblioteca podem fazer a classificação de livros, como a proposta pela crítica literária, professora e ensaísta Nelly Novaes Coelho, mas jamais devem levá-la a risca impedindo que o aluno-leitor leve um livro fora da classificação apresentada.
            Como exposto anteriormente, “o desenvolvimento leitor de uma pessoa é um caminho criado e percorrido de maneira individual, respeitando o desenvolvimento pessoal do leitor e seu contato com o mundo dos livros”, assim cabe à escola e principalmente ao professor apresentar uma variedade de opções de livros aos alunos, despertando assim a curiosidade pela leitura além de sua idade. O aluno-leitor deve ter a liberdade para chegar a uma estante e escolher o livro de maneira democrática sem a imposição do professor/adulto, este, deve atuar como um mediador e não como um detentor do que se pode ou não ler.

            Enfim, bem mais que a idade do aluno-leitor, é necessária levar em conta a sua experiência com a leitura. Se o aluno-leitor tem nove anos e já sê acha na condição de ler um livro maior, porque obrigá-lo a ler algo que não mais corresponde a sua necessidade e expectativa? E da mesma forma, porque impedir alguém de ler algo menor se ele, ainda não se vê capaz de ler outra coisa? Tais imposições fazem com que os alunos-leitores se desmotivem em ler, principalmente na escola, pois acabam sendo obrigados a ler algo que corresponde a sua realidade como leitores.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

GAIBÉUS E A LUTA DE CLASSES


Por Elizeu Tomasi

O movimento Neorrealista português surgiu como “um grito dos excluídos e alienados do início do século XX”. Ao enfrentar a concepção anterior de “arte pela arte”, os artistas neorrealistas buscaram denunciar os problemas sociais e a luta entre as classes dominantes e o proletariado de Portugal nas primeiras décadas do século XX. Assim, os artistas passam a evidenciar em suas obras a condição desumanizante em que vivia a população trabalhadora portuguesa, vista como simples máquinas geradoras de produtos e capital para os patrões. Ao denunciar a exploração da mão de obra, os neorrealistas buscavam “abrir os olhos” dos trabalhadores, afim de que estes lutassem contra a situação de alienação em que viviam.
Nesse contexto de luta contra as mazelas sociais portuguesas do século XX destaca-se o escritor Alves Redol como um dos principais nomes do neorrealismo português. Redol teve sua vida marcada pelas péssimas condições de vida de sua família, o que marcou fortemente seus escritos no jornal português “O Diabo” e principalmente seu romance de maior evidência, e marco do neorrealismo, Gaibéus, publicado em 1936 o qual o autor considerou não um romance, mas um “documentário humano”.
Em Gaibéus, Alves de Redol evidencia a luta entre a camada desprestigiada da população, os trabalhadores rurais de Ribatejo que trabalham na colheita do arroz, e a camada dominante representada pelo patrão. O romance Gaibéus destaca claramente a situação de opressão e desumanização em que vivem os trabalhadores que servem apenas para gerar lucro aos patrões, como pode ser visto no trecho a seguir: “Todos liam pela mesma cartilha e os ranchos ficavam entregues às combinações dos feitores” (REDOL, p. 30).
Afastando-se da característica típica dos romances que têm sua centralidade em um personagem individualizado e na existência de um herói, na narrativa de Redol, destaca-se a coletividade, se há um herói protagonista em Gaibéus, este é o coletivo formado pela classe dos ceifeiros de Ribatejo. As personagens não representam a si mesmas de forma individual, mas uma realidade comum a todos os indivíduos da classe. Esta situação fica nítida no trecho em que o patrão escolhe Maria Rosa para trabalhar em sua casa: “Os olhos vagueavam pelo rancho, saltitando de mulher em mulher. Chegara à feira, podia escolhar”. (REDOL, p.99) Fica claro na passagem que, a escolhida poderia ser qualquer outra mulher e não exclusivamente Maria Rosa, está, representa a realidade de exploração compartilhada por todas as mulheres trabalhadoras na colheita do arroz.
No mundo alienado pelo capitalismo do século XX (e ainda no XXI!), o trabalhador só tem valor enquanto está produzindo e gerando renda ao seu patrão. Quando o trabalhador não mais produz é descartado sem a menor dignidade e substituído por outro que possa responder as expectativas patronais. Em Gaibéus, Ti Maria do Rosário representa o destino compartilhado por todos os trabalhadores de Ribatejo (e também de muitos trabalhadores da atualidade!) “Ti Maria do Rosário estatela-se no canteiro [...] Fica, porém, com a foice bem segura nas mãos descarnada” (REDOL, p.90).
O neorrealismo pretendia de fato levar os leitores, a população, à conscientização de que os trabalhadores deveriam se unir para lutar contra a alienação de sua força de trabalho. E para representar esta força Alves Redol coloca em meio ao coletivo alienado, o trabalhador rebelde que reconhece a situação desumana em que os trabalhadores vivem. O ceifeiro rebelde tem consciência da injusta distribuição de renda, onde a maior parte do que produz fica com o patrão e o que recebem não permitem comprar o que produzem: “Ele [o ceifeiro rebelde] tem um norte. E os camaradas ainda não encontraram a bússola.” (REDOL, p.87). A presença dessa personagem fora da coletividade vem representar a necessidade de alguém se opor ao sistema de alienação e conscientizar os demais da necessidade combater o circulo de opressão em que vivem.
Assim, destacando a realidade social e as condições subumanas em que viviam os gaibéus, o romance/documentário de Alves Redol figurou-se como obra de referência do neorrealismo português. É evidente na obra a intenção do autor de conscientizar o leitor da desumanização que os trabalhadores rurais viviam nas lavouras de arroz. Nesse intento, o autor reproduz a luta de classes entre os trabalhadores (oprimidos) e patrões (opressores). A mensagem de Alves Redol é em si mesma a mensagem e a ideologia do neorrealismo pela qual, a classe trabalhadora só poderia sair vencedora, se unida para vencer sua alienação; o que de fato não ocorre em Gaibéus muito menos na vida real.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Susan Aparecida de; SANTOS, Izabel Cristina das Rosas Gomes dos. Literatura Portuguesa III, 9° período UFSC/CCE/LLV, Florianópolis, 2013.

REDOL, Alves. Gaibéus, disponível em http://pt.scribd.com/doc/53189956/Redol-Alves-gaibeus, acesso em 19 de novembro de 2013.


PASSEIWEB. Gaibéus, de Alves Redol disponível em http://www.passeiweb.com/estudos/livros/gaibeus, acesso dia 23 de novembro de 2013.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

NOITE CULTURA ALCIDES BUSS


Por Elizeu Tomasi

Visando promover o incentivo a leitura e a escrita a Escola de Educação Básica Irmã Irene recebeu o escritor catarinense Alcides Buss na abertura da I Mostra Cultural e Científica em uma agradável noite de poesia e dança.

O escritor Alcides Buss um dos mais criativos e ativos poetas catarinenses. Autor de uma lírica reflexiva, humanista, inquieto e hábil carregada de potencial em cada palavra, Alcides Buss é poeta em tudo que se dedica seja como ensaísta ou como professor de Teoria Literária. A obra Janela para o mar foi amplamente lida pelos alunos da escola e a partir dela fizeram releituras que na noite do dia 23 foram expostas a toda a comunidade e para o autor.

Fazendo uma ponte entre a cultura litorânea de Florianópolis apresentada nos versos de Alcides Buss e a cultura serrana de Santa Cecília, foram recitadas poesias de Buss e poesias compostas pelos alunos da EEB Irmã Irene sobre a região serrana. A noite foi abrilhantada por danças apresentadas por alunos e pelos grupos de dança: Coração Serrano e Tradição Campeira.

Ao final do evento, Alcides Buss concedeu entrevista aos alunos do Ensino Médio Inovador Pedro Henrique Bonatto e Ana Luiza Margotti, onde falou de sua experiência como escritor, como a poesia entrou em sua vida e da importância da leitura. Buss, ainda revelou a sua antiga ligação com a nossa cidade, uma vez que seu pai foi quem colocou as janelas da Igreja Matriz de Santa Cecília quando o escritor era ainda criança. Em seguida o homenageado da noite visitou a exposição  das releituras dos poemas do livro Janela para o Mar, feitos pelos alunos do Ensino Fundamental e Médio da EEB Irmã Irene.

A Mostra Cultural e Científica da EEB Irmã Irene continuou durante todo o dia 24 de setembro quando a comunidade ceciliense teve a oportunidade apreciar as produções textuais e os projetos científicos desenvolvidos pelos alunos durante o ano, os quais representaram a escola na Feira Regional de Curitibanos.  Também aconteceu durante todo o segundo dia da mostra a visitação do Planetário Móvel, trazido da cidade de São Paulo especialmente para o evento deste ano. No auditório da escola aconteceu contação de história com o grupo de Contadores de Histórias de São Cristovão do Sul – CHISC. No refeitório a realização da Feira do Livro com a livraria Point Gospel, com uma diversidade de livros sendo vendidos aos alunos e a comunidade.  O curso de Engenharia Mecatrônica da Universidade do Contestado – UnC  também se fez presente com demonstrações de robôs.

Enfim a Mostra Cultural e Científica da Escola de Educação Básica Irmã Irene 2013 uniu dois eventos bastante tradicionais da escola, o Chá com Poesia e a Mostra do Conhecimento e possibilitou uma verdadeira troca de conhecimentos entre os alunos da escola e a comunidade em geral, que pode conferir um pouco do que é produzido pelos alunos da escola juntamente com seus professores em sala de aula.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

COMÉDIA E TRAGÉDIA: DUAS CARAS DA MESMA MOEDA


Por Elizeu Domingos Tomasi

          Vindas da mesma essência dramática, comédia e tragédia são irmãs que tiveram focos distintos em suas preocupações. Assim pensava Aristóteles ao entender ambas as ações dramáticas: comédia e tragédia; como imitações dos homens, sendo esta imitação de homens superiores, e aquela a imitação de homens inferiores. Nesse sentindo compreendemos a preocupação da comédia em despertar o riso através do ridículo e do banal da vida, enquanto a tragédia tenciona despertar o terror e a piedade das ações humanas proporcionando assim uma fuga da realidade.
            Nas tragédias, era abordada a sorte dos homens que não seguiram as vontades e divinas e por isso arcavam com duras consequências funcionando como uma forma de a plateia refletir sobre seus atos. Já as comédias satirizavam as vivencias sociais, políticas, econômicas e religiosas dos antigos fazendo o público rir pela baderna e intrigas urbanas. A Comédia é exterior e momentânea enquanto a tragédia busca reproduzir o interior, o humano e a sua eternização, e em virtude disso, a tragédia é mais complexa e conflituosa que a comédia, concentrando-se não na ação, mas nos diálogos e no enredo representado.

Por estas razões, considerava-se a tragédia superior à comédia, mas jamais dois gêneros antagônicos. Comédia e tragédia são sim, digamos faces distintas de uma mesma moeda que é a poesia dramática. Ou uma ou outra, mas sem deixar de ser a mesma coisa: “imitação dos homens”.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A - MAR


A - MAR
Tão vasto
Tão misterioso
Tão complexo
Tão lindo
Tão envolvente
Tão...
mar.



Por Elizeu Tomasi

sábado, 9 de novembro de 2013

ULTIMATUM PORTUGUÊS NAS OBRAS DE FERNANDO PESSOA E ALMADA NEGREIROS

 
Por Elizeu Tomasi

A começar pela manutenção – um tanto irônica – da expressão ultimatum em seus títulos, em uma explicita referência ao embargo que Portugal sofrera pela Inglaterra em 1890 e que ferira profundamente o brio português ainda saudoso das conquistas ultramarinas de séculos anteriores. As duas obras em questão Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do século XX, do escritor português Almada Negreiros, e poema Ultimatum, do heterônimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, são em sua totalidade um manifesto explicito contra Portugal do início do século XX e que expressam a necessidade de se (re)pensar a identidade portuguesa como uma nação em uma Europa que se modernizava e pensava no futuro.
Com uma intenção política além da literária, os textos de Almada Negreiros e Álvaro de Campos tem um tom de discurso político. Percebemos que o narrador fala diretamente ao público de forma imperialista gritando palavras de ordem, em expressões como “Fora tu...” do poema de Álvaro de Campos notamos de certa forma o grito de revolta do autor, que assim como um manifestante toma as ruas e exige uma mudança de postura da sociedade portuguesa.
A humilhante perda dos territórios portugueses na África a favor dos ingleses fez com que Fernando Pessoa e Almada Negreiros se manifestassem por meio da literatura a fim de protestarem contra a decadência portuguesa no contexto europeu e mundial. Nas obras lidas, fica evidente o tom argumentativo das palavras tentando convencer o leitor/ouvinte de que o passado glorioso de Portugal deve ser deixado de lado um pouco em busca da criação de uma pátria verdadeira moderna e contextualizada com o então momento histórico-social. Nesse sentido, afirma Almada Negreiros em Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do século XX “Porque o sentimento-síntese do povo português é a saudade e a saudade é uma nostalgia mórbida dos temperamentos esgotados e doentes”.
Os textos de Pessoa e de Negreiros abordam claramente a questão política e social de Portugal e a certo ponto dão um Ultimatum aos portugueses da época anunciando a necessidade de mudanças e de se adequar ao novo mundo em que viviam. A literatura e o escritor neste sentido tomam a linha de frente da batalha divulgando os ideais de modernidade para este “novo mundo”. Assim, coube à literatura e aos artistas modernistas traduzir aos portugueses do século XX a nova realidade em que viviam e recuperando para isso o presente português a identidade nacional.

LITERATURA (EN) SINA


Por Elizeu Tomasi

             Vivemos hoje em uma sociedade amplamente tecnicista, onde o que realmente importa é aquilo que tem uma “utilidade” majoritariamente reconhecida. Nesse sentido, considera-se que somente é pertinente estudar aquilo que traga benefícios materiais para a sociedade. Assim, a literatura tem um espaço periférico dentro da escola, uma vez que, na maioria das vezes ela é vista como algo sem significado direto na obtenção de conhecimento. E em virtude dessa posição desprestigiada professores e alunos realmente têm uma concepção redutora da literatura.
            Muitas vezes a finalidade da literatura dentro da escola é de introduzir uma temática, é o chamariz para algo a ser trabalhado por outras ciências. Essa condição reduz a literatura à condição de uma disciplina dependente de outras: língua portuguesa, sociologia, filosofia, arte... Até mesmo dentro da disciplina de Língua Portuguesa a literatura é marginalizada. Não raras as vezes a abordagem do texto literário se restringe ao “pretexto” para a analise linguística, para interpretação e para a produção  de texto onde pouco é explorado como objeto artístico que reflete e ao mesmo tempo influencia a sociedade que o compôs.
            Mas talvez seja nas aulas de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio onde fica mais evidente a concepção redutora da Literatura. Baseando-se muitas vezes exclusivamente no livro didático, o professor detém-se a historiografia literária deixando de lado o texto e a leitura como objeto da literatura. Na maioria das vezes as obras literárias são simplesmente citadas nas aulas de literatura que se resumem a descrição do contexto histórico cultural e das características de uma escola literárias sem de fato levar os alunos a compreendê-los a partir da leitura das obras.
            Ainda falando do desmerecimento dado a Literatura na escola, os livro didáticos e muitos professores, reduzem a literatura aos clássicos desfazendo certos gêneros, certos autores e livros que são amplamente lidos pelos alunos. Como se pelo simples fato do autor X não ser mencionado no livro didático, o mesmo não fosse digno de ser lido pelo aluno. E dessa forma consciente ou inconscientemente o professor perpetua uma ideia errônea da literatura onde as únicas obras que prestam - e por assim ser são as que realmente são dignas de serem consideradas pertencentes à literatura -  são os clássicos que por apresentam uma linguagem difícil e inacessível ao aluno que passa então a ter horror a literatura.

            Refletindo essa visão redutora da literatura na escola, as aulas de Literatura baseada nos livros didáticos se resumem a uma “replicação” de teorias criticas a cerca da literatura deixando de lado o que de fato seria importante: o objeto da literatura – as obras literárias. A partir de fragmentos, escolhidos pelo autor do livro, sem levar em conta o aluno e sua realidade, como leitor em formação, o professor repassa aos alunos a análise que o autor tem desses fragmentos. Essa relação acaba por afastar o aluno da leitura literária, uma vez que o mesmo lê/estuda teorias sobre a obra literária e não a obra em si, o que levaria a construir juntamente com o professor suas próprias teorias e analises a cerca da obra lida.

OS ROMANOS EM NÓS


Por Elizeu Tomasi

O Império Romano ruiu a mais de mil e quinhentos anos, mas seus reflexos espalharam-se aos quatro cantos do mundo chegando a influenciar diretamente a nossa sociedade contemporânea. Se olharmos para a religião que professamos,  para estrutura do direito aplicado nos dias de hoje, analisarmos a arquitetura de igrejas e pontes, a organização urbana e o sistema republicano que nos rege; se estudarmos a etimologia e a história da língua portuguesa ou buscarmos os clássicos literários veremos o quanta influencia romana temos em nossa sociedade.
O nosso cotidiano é tão romano quanto é brasileiro.  Alguns costumes que mantemos hoje, os quais dizemos ser tipicamente, já se manifestavam no seio do Império Romano antes mesmo do nascimento de Cristo. Grande parte das superstições e crendices do povo brasileiro, já eram presentes na Roma antiga. A figa, por exemplo, já era usada como símbolo de boa sorte na época do império. Saindo do misticismo, para a segurança o equipamento utilizado pelas tropas da Polícia Militar hoje, são quase as mesmas dos equipamentos dos soldados romanos: capacete, escudo, bastão.

Na área de diversão e entretenimento, assim como todo o brasileiro os romanos eram fascinados por água a ponto de criar os balneários,que faziam às vezes de nossos termas e praias.  Ainda na praia, a imagem de mulheres desfilando biquines nos parece bem brasileiro, no entanto já era bastante comum  ver as romanas nesses trajes na época do império. Ainda a ideia do “pão e circo” continua presente em nossa sociedade, uma vez que, o povo brasileiro contenta-se apenas com o essencial para a sua sobrevivência, garantido pelos programas assistencialistas; e com o futebol e carnaval como entretenimento – não seriam os estádios de futebol os Coliseus da nossa sociedade, e os times e torcidas organizadas verdadeiros gladiadores a se enfrentarem para divertir o público?

Texto Escrito para a disciplina de Literatura Latina, curso de Letras - Português - UFSC

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

HISTÓRIAS DA ILHA DA MAGIA EM QUADRINHOS

Florianópolis é a capital de Santa Catarina e tem parte de seu território no continente e outra em uma ilha. Além de belas e encantadoras praias, a ilha de Santa Catarina é rodeada pelas histórias das Bruxas, que segundo o folclore local, chegaram na ilha nos porões dos navios juntamente com os primeiros colonizadores açorianos. A ilha ficou conhecida como a "Ilha da Magia" e as narrativas "bruxescas" continuam até os dias de hoje. Aproveitando a viagem de estudos do Ensino Médio Inovador da EEB Irmã Irene para Florianópolis (30 e 31 de agosto) os alunos do 1° e 2° ano EMI, sob a orientação do professor orientador de leitura Elizeu Tomasi, conheceram algumas das histórias envolvendo as bruxas da Ilha de Santa Catarina e a partir delas criaram belas histórias em quadrinhos. Seguem algumas produções dos alunos do 1° ano do Ensino Médio Inovador








segunda-feira, 29 de abril de 2013

CLARICE E NÉLIDA: Um grito contra a opressão feminina

Por Elizeu Tomasi

         As narrativas de Clarice Lispector e Nélida Pinõn constroem uma importante alegoria da posição feminina em um mundo extremamente machista, materialista e intolerante. Com a intenção de denunciar a opressão que a mulher vive e nos levar a refletir a cerca das relações entre os gêneros, os contos Os obedientes (1964) e I Love my husband (1980), de Clarice e Nélida respectivamente, retratam a realidade cotidiana de muitos casais presos às aparências e aos estigmas impostos pela sociedade.

            Ambos os contos apresentam um mulher que perdeu sua identidade e sua individualidade e passam, por reflexo cultural e influencia social e familiar, viver a vida de seus maridos. Em Nélida, lemos a resignação da mulher “[...] sou a sombra de um homem que todos dizem eu amar.” Percebemos que a mulher tenta justificar essa posição afirmando para si mesma que ela é a base de um homem que “constrói o seu mundo com pequenos tijolos”. Ela parece contentar com um sutil reconhecimento “A mim também me saúdam por alimentar um homem que sonha [...] faz o país progredir”.  Era como se ele apenas tivesse o direito de sonhar e construir, quanto a ela fosse dado consumir o que ele construíra “ [...]proclama que não faço outra coisa senão consumir o dinheiro que ele arrecada.”

Já em Os obedientes vemos uma mulher que ao casar-se segue a vida obediente do marido sem permitir-se sonhar e inventar: “Esse homem e essa mulher começaram — sem nenhum objetivo de ir longe demais, e não se sabe levados por que necessidade que pessoas têm — começaram a tentar viver mais intensamente”. E nessa vida de extrema obediência o casal faz tudo certo, sempre igual, sem sonhos (“À procura do destino que nos precede?”), vivendo oprimidos pela rotina do marido.

O interessante nesta condição da mulher em nossa sociedade é perceber que é algo já imposto no seio da família repassado de mãe para filha criando um circulo vicioso. Assim afirma Nélida: “Ser mulher é perder-se no tempo, foi regra de minha mãe” e o pai no dia casamento ainda destaca à filha “viverás a vida do teu marido, nós te garantimos, através deste ato que serás jovem para sempre. A mulher precisa se perder para permitir que o marido se encontre e progrida “Já viu, filha, que coisa mais bonita, uma vida revelada, que ninguém colheu senão o marido, o pai de seus filhos”?”. Ao trazer esta reflexão para o conto de Clarice Lispector, compreendemos a resignação da mulher à vida medíocre proporcionada pelo seu marido “olhando para o dia passado é que tinham a impressão de ter — de algum modo e por assim dizer à revelia deles, e por isso sem mérito — a impressão de ter vivido”.

Cruzando ambos os contos compreendemos a condição oprimida da mulher, que deixando sua vida de lado para viver a vida do outro precisando a cada instante afirmar para si mesma: “Eu amo meu marido”, mesmo vivendo uma vida de obediência e delírios que Não era uma vida de sonho, pois este jamais os orientara”. São os delírios e os sonhos oprimidos pelo outro e pelas imposições sociais que aproximam as personagens dos contos. A personagem de Clarice Lispector reconhece que “Faltava-lhes o peso de um erro grave, que tantas vezes é o que abre por acaso uma porta” e chega a pensar que “um outro homem a salvaria”. Já em Nélida Piñon vemos que a personagem reconhece pensamentos e desejos que seriam criticados pelo marido e pela sociedade em geral “[...] peço-lhe desculpas em pensamento, prometo-lhe esquivar-me de tais tentações.

Enfim, ambas as personagens assim como muitas mulheres reais vivem “como num soneto, [...] obediência por amor à simetria. A simetria lhes era a arte possível”. Seguem dia após dias amando seus maridos e sendo “gratas pelo esforço que faz (os maridos) em amar-te”. A literatura feminista, por meio de nomes como Clarice Lispector e Nélida Piñon, abriu uma janela para que mulheres oprimidas pudessem refletir sua própria condição e para que a sociedade em geral reconhecesse os sonhos e eficiência da mulher. Assim, a personagem de Nélida recorre aos sonhos que julga contrários aos ensinamentos de sua família e ao esperado por seu marido, enquanto a personagem de Clarice, que sempre buscou viver em consonância com preceitos sociais e do marido reconhece que outro homem, que aceitasse a transgressão e o erro, seria sua salvação.


REFERÊNCIAS

PINÕN, Nélida. I Love my Husband. In: O Calor das Coisas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1880. P 57 – 67.

LISPECTOR, Clarice. Os Obedientes. In A Legião Estrangeira. São Paulo: Editora do autor, 1964.

MOREIRA, Moacyr Godoy. O Mal-estar em Clarice: estudo do conto “Os Obedientes”, disponível em http://publicacoes.fatea.br/index.php/angulo/article/viewArticle/163 acesso dia 09 de abril de 2013.

MOIANO, Douglas da Silva. A Identidade Feminina em I Love My Husband, de Nélida Piñon, disponível em https://sites.google.com/site/revistanovasletras/edicao-2011/02---douglas-da-silva-moiano acesso dia 11 de abril de 2013.

domingo, 21 de abril de 2013

JOAO CABRAL DE MELO: O CATADOR DE PALAVRAS

Por Elizeu Tomasi
Catar feijão 1.

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.


2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.
(João Cabral de Melo Neto)
Texto escrito para disciplina de Literatura Brasileira III da UFSC
            João Cabral de Melo Neto marcou a poesia modernista pela simplicidade em que expressou seus versos. De uma maneira simples e livre, falou sentimentalmente sobre o homem e sobre a realidade por este vivida, mas não limitou sua poesia a temática regionalista. Com a mesma simplicidade que falou sobre a vida Severina de Severino, o poeta pernambucano aventurou-se também a falar sobre o próprio ato de escrever.

            Em Catar Feijão, João Cabral de Melo Neto, de uma maneira simples, mas precisa, compara o ato de escrever com o ato de catar feijão. Buscando a significação do verbo “catar”, o dicionário Michaelis (2008) traz a definição “recolher um por um, buscar, pesquisar”; já no Cegalla (2005), encontramos: “retirar impurezas de, escolher”. A partir deste único vocábulo, é possível identificarmos a grande metáfora criada pelo poeta. Como o individuo que cata feijão, o escritor precisa buscar palavras, recolhê-las uma a uma, pesquisar, retirar impurezas; um trabalho árduo para ambos: o escritor e o catador de feijão.

            O poema é dividido em duas estrofes cada uma com oito versos. Na primeira estrofe, o poeta expõe a simplicidade que ambas as ações apresentam. Enquanto no catar do feijão jogam-se os grãos na água em uma bacia, no escrever as palavras são, simplesmente, jogadas em uma folha de papel. Em seguida, joga-se fora o que boiar. Com um soprar, tira-se do feijão o que é leve, e da escrita o que foi supérfluo não necessário, que acaba sujando a escrita tornando-a complexa de mais. Observamos aqui, uma espécie de explicação para seu estilo simples e econômico de escrever. Nesse sentido, o significado mais adequado para o verbo catar, dentro do texto, é o de escolher. Escolher palavras, escolher feijão; como define CEGALLA (2005) “retirar as impurezas”.

            Já na segunda estrofe, ao aproximar as duas ações João Cabral de Melo Neto afasta o catar feijão do escrever. Um risco comum as duas praticas, é o de deixar algo impuro, mas não leve. Entre os grãos de feijão, pode ficar um grão qualquer, pedra ou indigesto. O resultado, com certeza seria imastigável, de quebrar os dentes. No se tratando do escrever, a pedra resultaria em algo diferente que, daria à frase seu grão mais vivo, desafiando o leitor e impedindo a leitura fluviante, flutual.  Em outras palavras, o que é imastigável entre os feijões, prende a atenção do leitor, isca-a como o risco evitando a leitura superficial.

            No que diz respeito à estruturação das estrofes, cada uma delas é compostas de dois quartetos, bem definidos e marcados pelo ponto final. Os dois quartetos da primeira estrofe são bastante claros e objetivos denotando as duas ações que são comparadas ao logo do texto: o escrever e o catar feijão. Já os dois quartetos da segunda estrofe denotam riscos, dificuldades e as conseqüências de cada uma das ações.  A pontuação é bastante simétrica, podendo ser observado que as duas estrofes apresentam uma pontuação bastante parecida.

            Além da metáfora que o poema apresenta em relação ao ato de escrever e catar feijão; podemos encontrar também algumas claras antíteses dispersas ao longo dos versos como: o feijão/material X palavra/ideal, água/liquido X papel/sólido, boiar X afundar, leve X pesado, ainda há uma evidente contradição entre o grão imastigável, que quebra o dente e a pedra, que dá a frase seu grão mais vivo. No quarto verso da segunda estrofe, nos deparamos com a sensação de leveza e superficialidade da leitura fluviante, futual que de repente é interrompida pelo risco que a pedra representa.

            Como modernista que é, encontramos na poesia de João Cabral a liberdade formal, que dispensou o uso das rimas no poema.  O ritmo do poema é dado pela própria metalinguagem do poema, ou seja, pela escolha de palavras oxítonas ou paroxítonas intercaladas com monossílabos dando-nos a sensação própria de quem “cata” o feijão, escolhe palavra por palavra eliminando suas impurezas em um processo manual e consecutivo.

Além desse recurso, o ritmo do poema também é marcado pelo uso constante de assonância e de aliteração. No verso dois da primeira estrofe, encontramos a aliteração de g repetido em todas as palavras não monossílabas do verso: joga-se os grãos na água do alguidar. No sétimo verso da segunda estrofe, temos a aliteração de t: obstrui a leitura fluviante, flutual. Assim como a aliteração, a assonância está fortemente marcada na poesia de João Cabral.  As vogais a e o são recorrentes ao longo do poema principalmente no quarto e oitavo versos da primeira estrofe: e depois joga-se fora o que boiar; e jogar fora o leve e oco, palha e eco.  E no já citado verso obstrui a leitura fluviante, flutual são as vogais i e u que são ressaltadas.

Enfim, João Cabral de Melo Neto com seu emblemático poema Catar Feijão, brilhantemente explicou o árduo trabalho de escrever, o que muitos outros poetas e teóricos já haviam feito. João Cabral, em sua simplicidade “despiu de traços supérfluos”, como afirmou BOSSI (2003, p.471) e como um catador de feijões, jogou os grãos na água do alguidar, ou melhor, as palavras na folha de papel. Jogou fora o que boiou, soprou o que era leve e oco, palha e eco, imastigavel de quebrar o dente, as impurezas e excessos... Deixando, no entanto a pedra que deu ao texto seu grão mais vive que nos permitiu uma leitura desafiadora e nada fluviante e flutual.

BIBLIOGRAFIA

GUALBERTO, Ana Claudia Felix; RAMOS, Tânia Regina Oliveira; CORSO, Gizelle Kaminski; Literatura Brasileira III: 7° período, UFSC. Curso de Licenciatura Letras – Português na Modalidade a Distância - Florianópolis, 2013.

ALMEIDA, Tereza Virginia de Teoria da Literatura II: 5° período, UFSC. Curso de Licenciatura Letras – Português na Modalidade a Distância - Florianópolis, 2012.

MICHAELIS: Dicionário Prático de Língua Portuguesa – São Paulo: Editora Melhoramentos, 2008.

CEGALLA, Domingos Paschoal; Dicionário Escolar da Língua Portuguesa – São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.