segunda-feira, 30 de julho de 2012

A NARRATIVA EM DOM CASMURRO


A OBRA

            Dom Casmurro é um romance escrito por Machado de Assis no ano de 1899.  A obra composta por 148 capítulos curtos completa a trilogia realista machadiana iniciada em 1881 com o revolucionário Memórias Póstumas de Brás Cubas, seguido em 1891 por Quincas Borba. Vale ressaltar, que diferente de seus antecessores, Dom Casmurro não foi uma obra de folhetim, ou seja, ela foi publicada diretamente em livro no ano de 1900.


O ENREDO

            A exposição do enredo se dá nos capítulos um e dois quando o narrador personagem Bentinho explica o seu apelido e consequentemente o título do livro – Dom Casmurro: “No dia seguinte, entrou a dizer de mim nomes feios, acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos que não gostavam dos meus hábitos reclusos e calados, deram à alcunha, que afinal pegou (...)”[11]. Apresentado a origem do apelido no segundo capítulo o narrador passa a falar do livro e reproduz a sua antiga casa de Matacavalos e com ela tenta reproduzir sua infância.
            Na complicação do enredo, representada a partir da do terceiro capítulo, Bento passa a rememorar fatos de suas infância e adolescência. Por meio do recurso de flashback, o narrador personagem revisita constantemente sua adolescência onde conhecemos sua família, José Dias e Capitolina (Capitu). É por meio dessas voltas ao passado que ficamos sabendo da paixão que Bentinho tem por Capitu e também da promessa feita por D. Glória (a mãe de Bentinho) de enviar o filho para o seminário. Não conseguindo fugir da promessa, Bentinho vai contra a vontade para o seminário, onde conhece Escobar, que se torna seu melhor amigo. D. Glória adoece, Bentinho vai para casa onde reencontra Capitu; sua mãe melhora e ele volta para sua monótona vida no seminário, mas confidencia a Escobar que está apaixonado por Capitu. O problema é a promessa feita por D. Gloria de fazer um filho padre. Várias são as ideias para que Bentinho se livre da promessa da mãe, mas por intermédio de José Dias, que argumenta que a promessa consiste em fazer um filho padre, não necessariamente seu filho D. Gloria, adota um órfão e coloca no seminário, livrando, assim, Bentinho da promessa. Escobar, por intermédio de Capitu e Bentinho, casa-se com Sancha. Bentinho forma-se bacharel em Direito, a família aprova seu relacionamento com Capitu e ambos acabam casando. A vida do casal apaixonado transcorre tranquila e feliz até o capítulo CIII do romance.
            No capítulo cento e quatro, chegamos ao clímax do enredo. Escobar e Sancha têm uma filha a quem dão o nome de Capitu. A amizade entre os casais é intensificada com a essa aproximação e Bentinho começa a mostrar-se um marido ciumento, mas continua zeloso. O casal tem o seu tão esperado filho e em homenagem ao amigo Escobar o batizam como Ezequiel. Escobar e Sancha mudam-se para o Flamengo e as visitas passam a ser costumeiras havendo certa aproximação entre Capitu e Escobar, quando este a ajuda a economizar algumas libras. Ezequiel, que tem por mania imitar as pessoas, imita Escobar. Entre os capítulos cento e dezessete e cento e dezoito começam os devaneios de Bentinho em relação à Capitu. Em um domingo, enquanto lia alguns processos, ele encontra uma foto de Escobar e percebe certa semelhança do filho com o amigo. Seus pensamentos são interrompidos com a notícia de que o amigo morrera afogado. No velório, Bentinho é surpreendido pelo olhar apaixonado de Capitu, que apresenta um sofrimento de viúva e a situação o deixa completamente perturbado. Já em casa José Dias e a Prima Justina comentam sobre o ocorrido e Capitu abraça Bentinho com os olhos vermelhos.
            O desfecho do enredo inicia-se no capítulo cento e trinta e dois, quando Bentinho percebe que Ezequiel está cada vez mais com as feições de Escobar. Convencido da traição da mulher, Bentinho passa a maltratá-la chegando até comprar veneno para matar Capitu e o filho e por fim em si mesmo. No entanto não tem coragem para tanto e após discussão com Capitu põe fim ao casamento. Para manter as aparências, deixa Capitu e Ezequiel na Europa. Após anos, Ezequiel, agora formado Arqueólogo, visita Bentinho, que vê no filho a ressurreição do amigo. Ezequiel morre de febre tifoide no Egito e o ocorrido dá certo alívio a Bentinho.

PERSONAGENS

Bentinho e Capitu são personagens são redondas que acabam mudando no decorrer da narrativa. A Capitu (Capitolina) que encontramos no início da narrativa parece ser uma personagem romântica a ponto de Bentinho ser capaz de qualquer coisa para poder ficar com ela. Mas a adolescente cresce e se torna uma atraente mulher de olhos claros, cabelos escuros em tranças. Assim, Bentinho casa-se com uma bela mulher e essa beleza o deixa inseguro quanto marido. Outros personagens, no entanto a viam como fria, calculista e até mesmo dissimulada.
 Bentinho, (Bento Santiago) ou Dom Casmurro é o narrador da história, o personagem protagonista do romance. O garoto cresce sabendo que vai ser padre em virtude de uma promessa de sua mãe. Ainda garoto vai para o seminário, mas se descobre apaixonado pela vizinha com quem cresceu Capitu. Bentinho inicia a história ingênuo e submisso, primeiro submisso à mãe e depois à própria Capitu; ele chega ao final amargo e pessimista em virtude da insegurança que o levou a desconfiar da esposa e terminar seu casamento.
Os personagens secundários:
Dona Gloria, a mãe de Bentinho, de início, é uma personagem que se põe oposta ao relacionamento de Bentinho e Capitu em virtude de sua antiga promessa de fazer de um filho padre. Como uma personagem redonda, ela muda de posição ao longo da narrativa e convencida pelo padre Cabral, se rende a falta que sente do filho e o tira do seminário colocando em seu lugar um órfão. Parece ser uma mulher autoritária, mas é facilmente manipulada pelos superlativos de José Dias.
José Dias é um personagem plano caricatural. Mantém-se desde o principio como um agregado, ele joga com as personagens sempre buscando informações a fim de tirar algo de proveito próprio. Entra na história como médico homeopata e devido sua linguagem rebuscada cheia de superlativos torna-se uma espécie de conselheiro de dona Gloria.
O padre Cabral (plano) bastante intimo da família, é quem leva Bentinho para o seminário e é quem sugere à dona Glória que “adote” um órfão sustentando-o no seminário em vez de seu filho Bentinho.
Tio Cosme (plano), irmão de Dona Glória é um velho advogado viúvo já com respiração fraca. É uma personagem neutra, que nada interferia na relação de Bentinho com Capitu ou em relação à promessa de dona Glória.
A Prima Justina, (plano) prima de dona Glória é uma viúva ciumenta e egoísta que por inveja julgava a Capitu fria e calculista.
Ezequiel Escobar (plano) é seminarista amigo e confidente de Bentinho. Bem mais decidido e esperto que Bentinho deixa o seminário e graças ao dinheiro emprestado por dona Glória abre um negócio próprio. Mais tarde casa-se com Sancha, amiga de Capitu, se aproximando e influenciando na vida de Bentinho e da esposa. Escobar morre afogado no mar e mesmo depois de morto interfere na vida de Bentinho sendo em virtude da desconfiança de que fora traído pela esposa com o amigo que se separa da mulher.
Ezequiel (plano) é o filho de Bentinho e Capitu cujo nome é em homenagem ao amigo Escobar. O filho antes desejado e amado passa a ser repudiando por Bentinho, quando este desconfia que seja filho de Escobar. Ezequiel vai para a Europa com a mãe, volta para Brasil já formado Arqueólogo e morre no Egito.
Outros personagens secundários presentes no romance, mas com menos expressão são Pedro Albuquerque Santiago o pai de Bentinho, que morre já no inicio da narrativa e é quem agrega em casa José Dias e o Sr. Pádua e dona Fortunata pais de Capitu.

TEMPO

            A ação acontece durante o século XIX iniciando no ano de 1857 quando Dona Glória retoma ideia de enviar Bentinho ao seminário indo até 1890 quando Ezequiel morre, tempo este que foi suficiente para que Bentinho e Capitu lutassem por seu amor, o vivessem e vissem o mesmo sentimento acabar. Percebemos que obra é narrada com flashback do narrador personagem, que inicia a narrativa já velho e rememora fatos de sua infância, adolescência, juventude, indo e vindo do passado para o presente, característica de um tempo psicológico.

AMBIENTE

            O ambiente do romance é a casa de Bentinho, o quintal de Capitu na rua de Matacavalos, Engenho Novo, Bairro da Gloria, Flamengo, isto é, o Rio de Janeiro do século XIX. Estes espaços são marcantes para Bentinho a ponto que ele já velho tenta unir seu passado e seu presente afim de, diminuir a amargura que solidão lhe causa. Vemos um ambiente aristocrático onde vive uma família da elite que vive de aparências. Uma família que tem a elegância suficiente para frequentar os bailes de casais da sociedade, que têm influencia na igreja e condições para fazer viagens e sustentar alguém na Europa.




NARRADOR

            O romance Dom Casmurro é narrado em primeira pessoa. Bentinho é o narrador personagem protagonista, ele já é um homem velho e tenta explicar certo vazio que sente em sua vida escrevendo em um livro suas memórias de filho submisso e de marido inseguro amargurado pela suspeita de traição. O narrador personagem ao mesmo tempo em que narra a história, conversa com o leitor de forma a torná-lo um confidente de suas angustias e ao mesmo tempo tenta justificar-se.

TEMA: Ciúme conjugal

ASSUNTO:

            Um jovem ingênuo luta por seu amor de infância até concretizá-lo, mas a sua insegurança perante sua esposa, uma mulher bonita, o faz desconfiar do relacionamento dela com o amigo do casal a ponto de pensar em matá-la juntamente com o filho.

MENSAGEM

            A mensagem que o romance deixa, é que as pessoas não são o que aparentam ser. Se pegarmos como exemplo Escobar, ele se aproximou da família Santiago e usou da amizade de Bentinho para conseguir a ajuda para abrir seu negócio e ainda tem a suspeita de seu “envolvimento” com Capitu. O próprio Bentinho e a Capitu também são personagens duvidosos. Ela deu motivos para desconfiança e ele permite-se desconfiar daquela que era sua companheira de infância. E para fechar o enredo, para manter as aparências e evitar os comentários sobre a separação Bentinho manda a esposa e o filho para a Europa afastando-os de seu circulo social.

DISCURSO

            No romance Dom Casmurro predomina o discurso direto em primeira pessoa, pois é o próprio Dom Casmurro, o Bentinho, contando a sua história. Hora ele fala com as personagens da história narrada “– E se mamãe pedisse a Deus que a dispensasse da promessa?”; e hora ele fala como narrador ao leitor, “por outro lado, leitor amigo, nota que eu queria desviar as suspeitas de cima de Capitu, quando havia chamado minha mãe justamente para confirmá-las; mas as contradições são deste mundo.”.

OPINIÃO

            Pensar na literatura brasileira sem a polêmica sobre a possível traição de Capitu é como pensarmos na literatura universal sem a história de amor entre Romeu e Julieta. Dom Casmurro é um romance interessante dentro da literatura brasileira. Machado de Assis inicia sua obra com uma história que tem tudo para ser uma obra representativa do movimento Romântico: um casal que se apaixona e luta contra tudo e todos para ficar juntos. A história poderia muito bem ter acabado com um tradicional “e viveram felizes para sempre”. Mas então entra o Machado realista: o que acontece depois “felizes para sempre”? Existe realmente um final feliz? O casal não vai enfrentar problemas após o casamento? O amor, mesmo com a convivência, se mantém igual aquele amor de adolescência?
            Podemos notar que se Machado tivesse finalizado o seu romance com o casamento de Bentinho e Capitu, quanta coisa ele deixaria de criar e talvez, o romance  não se tornasse um dos romances mais completos e polêmicos da nossa literatura. E observamos quanta coisa aconteceu depois do “felizes para sempre” de Bantinho e Capitu, o que faz de Dom Casmurro um clássico atemporal, que pode ser (re) lido em qualquer época.


REFERÊNCIAS

ASSIS. Joaquim Maria Machado de; Dom Casmurro, São Paulo: Escala Educacional, 2006.
GANCHO. Cândida Vilares; Como analisar Narrativas, disponível em http://ead.moodle.ufsc.br/mod/resource/view.php?id=62021&subdir=/Textos_para_Topico_2

Elizeu Domingos Tomasi

sábado, 21 de julho de 2012

VIAGENS NA MINHA TERRA: (RE) DESCOBRINDO SANTA CECÍLIA

         O verdadeiro descobridor é aquele que descobre sua terra sempre. Foi pensando assim, que decidimos fazer uma excursão por um lugar que pode ser um dos mais belos desse imenso país, a cidade de Santa Cecília – a nossa cidade. Poucos são aqueles que a enxergarão da forma que a descreveremos aqui. Muitos, ao passarem pela BR116 até nem a notarão, mas ela está aqui, no alto da serra catarinense, há 54 anos esperando para ser (re) descoberta.
            A excursão começa em uma gelada manhã de julho. A geada da noite anterior cobre tudo com um manto branco como seda suave e obriga a todos a usarem pesadas blusas e casacos, luvas, cachecóis e toucas são essenciais para quem quer desfrutar dos prazeres gelados dessa pequena cidade da serrana.
O sol começa a aparecer alaranjado no céu, mas ainda não é forte o suficiente para aquecer-nos. Assim, o fogão à lenha vem a ser um importante aliado para tornar o momento agradável. Da janela da cozinha, avista-se a fumaça da nossa chaminé, misturando-se à fumaça das chaminés das casas vizinhas. A visão é de uma pintura, um quadro pintado pelo Pintor Universal.
 Sobre a chapa fumegante do fogão à lenha, o pinhão estala! Todos aguardam a semente da araucária assar enquanto a cuia de chimarrão circula de mão em mão e os planos para o decorrer do dia são feitos. De repente, um aroma forte toma toda a cozinha. Ninguém diz uma palavra sequer, mas todos sabem que é hora de deixar a cuia de lado, pois o café, coado no coador de pano já está pronto. O pinhão é tirado da chapa e macetado sobre um pau de lenha. É o café serrano servido ao redor do fogão: pinhão sapecado e café forte feito na hora.
O sol já brilha mais forte, mas o manto branco ainda permanece estendido sobre a cidade. Aos poucos as pessoas deixam suas casas rumo aos seus afazeres. Carros começam a circular pelas ruas, risos e prosas sempre altas, comentários sobre o frio da noite anterior e sobre a geada são ouvidos por todos os lados. É o despertar na terra da madeira!
Já nas ruas, as pessoas se cumprimentam! Conhecidos e desconhecidos interagem como velhos amigos. Caminhando pela avenida principal da cidade, um monumento imponente e rústico, todo feito de pedra bruta, evidencia a fé desse povo. É Santa Cruz! Aproximamo-nos com reverência, pois um monge também esteve ali tornando aquele chão um local santo.  
Lugares santos não faltam neste chão!  Há quatro quilômetros da cidade, encontramos outra capela. Esta capela é devotada a certo negrinho, afiliado de Nossa Senhora, que sofria nas mãos de seu dono, um estancieiro malvado que batia no menino e em certa noite de inverno, o colocou nu sobre um formigueiro, por haver perdido um de seus cavalos. A história, meio africana, meio cristã, é conhecida nacionalmente, principalmente nos pampas do sul, mas é aqui, nesta cidade muitas vezes esquecida e ignorada, que encontramos a Capela do Negrinho do Pastoreio.
Ao voltarmos para casa, já próximo ao meio-dia, o sol se punha alto e brilhava forte, a ponto de derreter toda a geada e nos obrigar a tirar as luvas e os cachecóis. Todos reunidos à mesa para o almoço, e mais uma vez ali se faz presente o pinhão, misturado à carne moída e acompanhado de bacon, tempero verde, pimenta... A famosa paçoca de pinhão, regada a um bom vinho tinto que contribui para termos que tirar também o casaco e a toca.
Após o almoço, nada melhor que uma roda de chimarrão, onde mais uma vez a cuia roda de mão em mão. O mate é a água de coco da serra! A conversa rola solta, fala-se do tempo, do frio, de política, de futebol; as mulheres trocam receitas e as crianças correm no terreiro. Ronca o chimarrão, passa-se ao próximo...
Engana-se quem pensa que uma cidade pequena e interiorana como Santa Cecília não tem espaço para um shopping! No meio da tarde, vamos todos visitar o imponente shopping de Santa Cecília, que chama atenção dos viajantes que passam pela BR 116. Mas este é um shopping especial, diferente daqueles presentes em outras cidades. Ao entrarmos no prédio de arquitetura germânica, logo percebemos que se trata de um shopping fantasma. Não há ali o movimento costumeiro dos centros comerciais, não há pessoas com sacolas na mão, pois também não há lojas; um restaurante apenas mantém o gene comercial do local.
Saímos do shopping meio perplexos com a situação, mas logo ao atravessarmos a BR, algo nos chamou atenção. Um som meio torto de gaita soava animado na calçada: “tá gareando lá fora! Ta gareando lá fora...”.Era uma figura muito querida nas ruas da cidade, um rapaz apelidado gentilmente pela comunidade de Gareando nos saudava com sua animação e simpatia, tirando um divertido som de sua pequena gaita e simulando o conhecido programa radiofônico Matiando com o Tio Bile.
Divertimo-nos muito com o Gareando, mas à tarde já caia e começávamos a sentir novamente a presença do vento minuano, que trazia com ele o frio. O casaco, a toca, o cachecol e as luvas já começavam a fazer falta. Voltamos para casa onde o fogão à lenha já nos esperava aquecido. Sobre a chapa, não podia faltar o pinhão agora, em um disco ferro entreverado com carne de gado, aipim, batata, tomate e pimentão para o jantar.
 Já era noite e o frio se intensificava, falava-se até na possibilidade de neve naquela noite. Se nevasse seria uma enorme bênção para todos nós, caso não chegasse a tanto, no dia seguinte, nossa excursão seria pelo interior do município, diversas cachoeiras e pedreiras permitiriam a prática de rapel e muitos outros esportes radicais, além de uma natureza verdadeiramente inesquecível.
Elizeu Domingos Tomasi

BRÁS CUBAS: O DEFUNTO AUTOR DE MEMÓRIAS PÓSTUMAS


          Ao analisarmos a obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” a primeira coisa que nos chama a atenção, é  com certeza, a presença do defunto autor, que de fato, revolucionou a literatura nacional. O narrador, em primeira pessoa, presente nessa obra, coloca-se em uma posição posterior aos fatos narrados, marcada pela morte. É um defunto, que ora de forma memorialista, ora de forma autobiográfica, confidencia ao leitor passagens de  sua vida insignificante por este mundo.
            A opção por um narrador autodiegético, segundo a classificação dada por Genette, esse narrador que relata fatos de sua vida a partir de suas vivências dá a Brás Cubas a autoridade suficiente para manipular o tempo, a ponto de ele mesmo mostrar dúvidas quanto a iniciar a história por seu nascimento ou por sua morte: “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias  pelo principio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar meu nascimento ou minha morte. (Cap 1)”
             O fato de o narrador ser o próprio Brás Cubas morto dá-lhe um posicionamento posterior aos fatos por ele narrados, suas próprias experiências de vida, deixando bastante evidente, o afastamento entre o presente do narrador – a morte – e  o passado da história – sua vida. Esse posicionamento dá ainda uma outra característica para o narrador da obra, e bastante comum em toda a obra do mestre Machado de Assis: o fato empregar um narrador intruso, invadindo a história  e emitindo opiniões e comentários sobre seus próprios atos; como em uma conversa direta com o leitor: “Imagine leitor, que no amamos, ela e eu, muitos anos antes, e que um dia, já enfermo, vejo assomar à porta da alcova... (cap.5)”
  É essa intromissão do narrador que aparece o tom irônico no texto, ao permitir que o leitor sejá confidente de um defunto mesmo estando ambos em tempo e espaço distintos. E dessa relação ficcional entre o real (leitor) e o irreal (defunto autor), resulta a interessante ironia de Machado de Assis ao confidenciar ao leitor que escreve por não ter o que fazer, evidenciando a chatice que parece ser a eternidade: “ - Não que ele me canse; eu não tenho o que fazer, e , realmente expandir alguns magros capítulos para esse mundo, sempre é uma tarefa que distrai um pouco da eternidade. (Cap 72)”
Enfim, como protagonista da história, Brás Cubas é amplamente conhecedor de tudo o que se passa e se passará ainda na narrativa; afinal, ele supostamente vivenciou o fato que narra. E é notável na narrativa o fato de que o Brás Cubas que narra não é o mesmo que vive o fato narrado. Vemos um narrador mais maduro, reflexivo, que, sábia e ironicamente usa sua condição de defunto para analisar sua passagem e ações sobre a terra.

Elizeu Domingos Tomasi