As narrativas de
Clarice Lispector e Nélida Pinõn constroem uma importante alegoria da posição
feminina em um mundo extremamente machista, materialista e intolerante. Com a
intenção de denunciar a opressão que a mulher vive e nos levar a refletir a
cerca das relações entre os gêneros, os contos Os obedientes (1964) e I Love
my husband (1980), de Clarice e Nélida respectivamente, retratam a
realidade cotidiana de muitos casais presos às aparências e aos estigmas
impostos pela sociedade.
Ambos os contos apresentam um mulher que perdeu sua
identidade e sua individualidade e passam, por reflexo cultural e influencia
social e familiar, viver a vida de seus maridos. Em Nélida, lemos a resignação
da mulher “[...] sou a sombra de um homem
que todos dizem eu amar.” Percebemos que a mulher tenta justificar essa
posição afirmando para si mesma que ela é a base de um homem que “constrói o seu mundo com pequenos tijolos”.
Ela parece contentar com um sutil reconhecimento “A mim também me saúdam por alimentar um homem que sonha [...] faz o
país progredir”. Era como se ele apenas
tivesse o direito de sonhar e construir, quanto a ela fosse dado consumir o que
ele construíra “ [...]proclama que não faço outra coisa senão consumir o
dinheiro que ele arrecada.”
Já
em Os obedientes vemos uma mulher que
ao casar-se segue a vida obediente do marido sem permitir-se sonhar e inventar:
“Esse homem e essa mulher começaram — sem
nenhum objetivo de ir longe demais, e não se sabe levados por que necessidade
que pessoas têm — começaram a tentar viver mais intensamente”. E nessa vida
de extrema obediência o casal faz tudo certo, sempre igual, sem sonhos (“À procura do destino que nos precede?”), vivendo oprimidos pela
rotina do marido.
O
interessante nesta condição da mulher em nossa sociedade é perceber que é algo
já imposto no seio da família repassado de mãe para filha criando um circulo
vicioso. Assim afirma Nélida: “Ser mulher
é perder-se no tempo, foi regra de minha mãe” e o pai no dia casamento
ainda destaca à filha “viverás a vida do
teu marido, nós te garantimos, através deste ato que serás jovem para sempre.
A mulher precisa se perder para permitir que o marido se encontre e progrida “Já viu, filha, que coisa mais bonita, uma
vida revelada, que ninguém colheu senão o marido, o pai de seus filhos”?”. Ao
trazer esta reflexão para o conto de Clarice Lispector, compreendemos a
resignação da mulher à vida medíocre proporcionada pelo seu marido “olhando para o dia passado é que tinham a
impressão de ter — de algum modo e por assim dizer à revelia deles, e por isso
sem mérito — a impressão de ter vivido”.
Cruzando
ambos os contos compreendemos a condição oprimida da mulher, que deixando sua
vida de lado para viver a vida do outro precisando a cada instante afirmar para
si mesma: “Eu amo meu marido”, mesmo
vivendo uma vida de obediência e delírios que “Não era uma vida de sonho, pois este
jamais os orientara”. São os delírios e os sonhos oprimidos
pelo outro e pelas imposições sociais que aproximam as personagens dos contos.
A personagem de Clarice Lispector reconhece que “Faltava-lhes o peso de um erro grave, que tantas vezes é o que abre
por acaso uma porta” e
chega a pensar que “um outro homem a
salvaria”. Já em Nélida Piñon vemos que a personagem reconhece pensamentos
e desejos que seriam criticados pelo marido e pela sociedade em geral “[...] peço-lhe desculpas em pensamento,
prometo-lhe esquivar-me de tais tentações.
Enfim, ambas as personagens
assim como muitas mulheres reais vivem
“como num soneto, [...] obediência por amor à simetria. A simetria lhes era a
arte possível”. Seguem dia após dias amando seus maridos e sendo “gratas pelo esforço que faz (os
maridos) em amar-te”. A literatura
feminista, por meio de nomes como Clarice Lispector e Nélida Piñon, abriu uma janela
para que mulheres oprimidas pudessem refletir sua própria condição e para que a
sociedade em geral reconhecesse os sonhos e eficiência da mulher. Assim, a
personagem de Nélida recorre aos sonhos que julga contrários aos ensinamentos
de sua família e ao esperado por seu marido, enquanto a personagem de Clarice,
que sempre buscou viver em consonância com preceitos sociais e do marido
reconhece que outro homem, que aceitasse a transgressão e o erro, seria sua salvação.
REFERÊNCIAS
PINÕN, Nélida. I Love my Husband. In: O Calor das Coisas. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1880. P 57 – 67.
LISPECTOR,
Clarice. Os Obedientes. In A Legião Estrangeira. São Paulo:
Editora do autor, 1964.
MOREIRA, Moacyr
Godoy. O Mal-estar em Clarice: estudo do
conto “Os Obedientes”, disponível em http://publicacoes.fatea.br/index.php/angulo/article/viewArticle/163
acesso dia 09 de abril de 2013.
MOIANO, Douglas
da Silva. A Identidade Feminina em I
Love My Husband, de Nélida Piñon, disponível em https://sites.google.com/site/revistanovasletras/edicao-2011/02---douglas-da-silva-moiano
acesso dia 11 de abril de 2013.
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