Por Elizeu Tomasi
O
movimento Neorrealista português surgiu como “um grito dos excluídos e
alienados do início do século XX”. Ao enfrentar a concepção anterior de “arte
pela arte”, os artistas neorrealistas buscaram denunciar os problemas sociais e
a luta entre as classes dominantes e o proletariado de Portugal nas primeiras
décadas do século XX. Assim, os artistas passam a evidenciar em suas obras a
condição desumanizante em que vivia a população trabalhadora portuguesa, vista
como simples máquinas geradoras de produtos e capital para os patrões. Ao
denunciar a exploração da mão de obra, os neorrealistas buscavam “abrir os
olhos” dos trabalhadores, afim de que estes lutassem contra a situação de
alienação em que viviam.
Nesse
contexto de luta contra as mazelas sociais portuguesas do século XX destaca-se
o escritor Alves Redol como um dos principais nomes do neorrealismo português.
Redol teve sua vida marcada pelas péssimas condições de vida de sua família, o
que marcou fortemente seus escritos no jornal português “O Diabo” e principalmente seu romance de maior evidência, e marco
do neorrealismo, Gaibéus, publicado
em 1936 o qual o autor considerou não um romance, mas um “documentário humano”.
Em
Gaibéus, Alves de Redol evidencia a
luta entre a camada desprestigiada da população, os trabalhadores rurais de
Ribatejo que trabalham na colheita do arroz, e a camada dominante representada
pelo patrão. O romance Gaibéus
destaca claramente a situação de opressão e desumanização em que vivem os
trabalhadores que servem apenas para gerar lucro aos patrões, como pode ser
visto no trecho a seguir: “Todos liam
pela mesma cartilha e os ranchos ficavam entregues às combinações dos feitores”
(REDOL, p. 30).
Afastando-se
da característica típica dos romances que têm sua centralidade em um personagem
individualizado e na existência de um herói, na narrativa de Redol, destaca-se
a coletividade, se há um herói protagonista em Gaibéus, este é o coletivo formado pela classe dos ceifeiros de
Ribatejo. As personagens não representam a si mesmas de forma individual, mas
uma realidade comum a todos os indivíduos da classe. Esta situação fica nítida
no trecho em que o patrão escolhe Maria Rosa para trabalhar em sua casa: “Os olhos vagueavam pelo rancho, saltitando
de mulher em mulher. Chegara à feira, podia escolhar”. (REDOL, p.99) Fica
claro na passagem que, a escolhida poderia ser qualquer outra mulher e não
exclusivamente Maria Rosa, está, representa a realidade de exploração compartilhada
por todas as mulheres trabalhadoras na colheita do arroz.
No
mundo alienado pelo capitalismo do século XX (e ainda no XXI!), o trabalhador
só tem valor enquanto está produzindo e gerando renda ao seu patrão. Quando o
trabalhador não mais produz é descartado sem a menor dignidade e substituído
por outro que possa responder as expectativas patronais. Em Gaibéus, Ti Maria do Rosário representa
o destino compartilhado por todos os trabalhadores de Ribatejo (e também de
muitos trabalhadores da atualidade!) “Ti
Maria do Rosário estatela-se no canteiro [...] Fica, porém, com a foice bem
segura nas mãos descarnada” (REDOL, p.90).
O
neorrealismo pretendia de fato levar os leitores, a população, à
conscientização de que os trabalhadores deveriam se unir para lutar contra a
alienação de sua força de trabalho. E para representar esta força Alves Redol
coloca em meio ao coletivo alienado, o trabalhador rebelde que reconhece a
situação desumana em que os trabalhadores vivem. O ceifeiro rebelde tem
consciência da injusta distribuição de renda, onde a maior parte do que produz
fica com o patrão e o que recebem não permitem comprar o que produzem: “Ele [o ceifeiro rebelde] tem um norte. E os camaradas ainda não
encontraram a bússola.” (REDOL, p.87). A presença dessa personagem fora da
coletividade vem representar a necessidade de alguém se opor ao sistema de
alienação e conscientizar os demais da necessidade combater o circulo de
opressão em que vivem.
Assim,
destacando a realidade social e as condições subumanas em que viviam os
gaibéus, o romance/documentário de Alves Redol figurou-se como obra de
referência do neorrealismo português. É evidente na obra a intenção do autor de
conscientizar o leitor da desumanização que os trabalhadores rurais viviam nas
lavouras de arroz. Nesse intento, o autor reproduz a luta de classes entre os
trabalhadores (oprimidos) e patrões (opressores). A mensagem de Alves Redol é
em si mesma a mensagem e a ideologia do neorrealismo pela qual, a classe
trabalhadora só poderia sair vencedora, se unida para vencer sua alienação; o
que de fato não ocorre em Gaibéus muito
menos na vida real.
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Susan Aparecida de; SANTOS, Izabel Cristina das Rosas
Gomes dos. Literatura Portuguesa III, 9° período
UFSC/CCE/LLV, Florianópolis, 2013.
REDOL, Alves. Gaibéus, disponível em http://pt.scribd.com/doc/53189956/Redol-Alves-gaibeus,
acesso em 19 de novembro de 2013.
PASSEIWEB.
Gaibéus, de Alves Redol disponível em http://www.passeiweb.com/estudos/livros/gaibeus,
acesso dia 23 de novembro de
2013.
Excelente leitura. Guaibéus é uma obra que inaugura o movimento Neorrealista Português.
ResponderExcluirAdorei a resenha, parabéns!