sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

GAIBÉUS E A LUTA DE CLASSES


Por Elizeu Tomasi

O movimento Neorrealista português surgiu como “um grito dos excluídos e alienados do início do século XX”. Ao enfrentar a concepção anterior de “arte pela arte”, os artistas neorrealistas buscaram denunciar os problemas sociais e a luta entre as classes dominantes e o proletariado de Portugal nas primeiras décadas do século XX. Assim, os artistas passam a evidenciar em suas obras a condição desumanizante em que vivia a população trabalhadora portuguesa, vista como simples máquinas geradoras de produtos e capital para os patrões. Ao denunciar a exploração da mão de obra, os neorrealistas buscavam “abrir os olhos” dos trabalhadores, afim de que estes lutassem contra a situação de alienação em que viviam.
Nesse contexto de luta contra as mazelas sociais portuguesas do século XX destaca-se o escritor Alves Redol como um dos principais nomes do neorrealismo português. Redol teve sua vida marcada pelas péssimas condições de vida de sua família, o que marcou fortemente seus escritos no jornal português “O Diabo” e principalmente seu romance de maior evidência, e marco do neorrealismo, Gaibéus, publicado em 1936 o qual o autor considerou não um romance, mas um “documentário humano”.
Em Gaibéus, Alves de Redol evidencia a luta entre a camada desprestigiada da população, os trabalhadores rurais de Ribatejo que trabalham na colheita do arroz, e a camada dominante representada pelo patrão. O romance Gaibéus destaca claramente a situação de opressão e desumanização em que vivem os trabalhadores que servem apenas para gerar lucro aos patrões, como pode ser visto no trecho a seguir: “Todos liam pela mesma cartilha e os ranchos ficavam entregues às combinações dos feitores” (REDOL, p. 30).
Afastando-se da característica típica dos romances que têm sua centralidade em um personagem individualizado e na existência de um herói, na narrativa de Redol, destaca-se a coletividade, se há um herói protagonista em Gaibéus, este é o coletivo formado pela classe dos ceifeiros de Ribatejo. As personagens não representam a si mesmas de forma individual, mas uma realidade comum a todos os indivíduos da classe. Esta situação fica nítida no trecho em que o patrão escolhe Maria Rosa para trabalhar em sua casa: “Os olhos vagueavam pelo rancho, saltitando de mulher em mulher. Chegara à feira, podia escolhar”. (REDOL, p.99) Fica claro na passagem que, a escolhida poderia ser qualquer outra mulher e não exclusivamente Maria Rosa, está, representa a realidade de exploração compartilhada por todas as mulheres trabalhadoras na colheita do arroz.
No mundo alienado pelo capitalismo do século XX (e ainda no XXI!), o trabalhador só tem valor enquanto está produzindo e gerando renda ao seu patrão. Quando o trabalhador não mais produz é descartado sem a menor dignidade e substituído por outro que possa responder as expectativas patronais. Em Gaibéus, Ti Maria do Rosário representa o destino compartilhado por todos os trabalhadores de Ribatejo (e também de muitos trabalhadores da atualidade!) “Ti Maria do Rosário estatela-se no canteiro [...] Fica, porém, com a foice bem segura nas mãos descarnada” (REDOL, p.90).
O neorrealismo pretendia de fato levar os leitores, a população, à conscientização de que os trabalhadores deveriam se unir para lutar contra a alienação de sua força de trabalho. E para representar esta força Alves Redol coloca em meio ao coletivo alienado, o trabalhador rebelde que reconhece a situação desumana em que os trabalhadores vivem. O ceifeiro rebelde tem consciência da injusta distribuição de renda, onde a maior parte do que produz fica com o patrão e o que recebem não permitem comprar o que produzem: “Ele [o ceifeiro rebelde] tem um norte. E os camaradas ainda não encontraram a bússola.” (REDOL, p.87). A presença dessa personagem fora da coletividade vem representar a necessidade de alguém se opor ao sistema de alienação e conscientizar os demais da necessidade combater o circulo de opressão em que vivem.
Assim, destacando a realidade social e as condições subumanas em que viviam os gaibéus, o romance/documentário de Alves Redol figurou-se como obra de referência do neorrealismo português. É evidente na obra a intenção do autor de conscientizar o leitor da desumanização que os trabalhadores rurais viviam nas lavouras de arroz. Nesse intento, o autor reproduz a luta de classes entre os trabalhadores (oprimidos) e patrões (opressores). A mensagem de Alves Redol é em si mesma a mensagem e a ideologia do neorrealismo pela qual, a classe trabalhadora só poderia sair vencedora, se unida para vencer sua alienação; o que de fato não ocorre em Gaibéus muito menos na vida real.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Susan Aparecida de; SANTOS, Izabel Cristina das Rosas Gomes dos. Literatura Portuguesa III, 9° período UFSC/CCE/LLV, Florianópolis, 2013.

REDOL, Alves. Gaibéus, disponível em http://pt.scribd.com/doc/53189956/Redol-Alves-gaibeus, acesso em 19 de novembro de 2013.


PASSEIWEB. Gaibéus, de Alves Redol disponível em http://www.passeiweb.com/estudos/livros/gaibeus, acesso dia 23 de novembro de 2013.

Um comentário:

  1. Excelente leitura. Guaibéus é uma obra que inaugura o movimento Neorrealista Português.
    Adorei a resenha, parabéns!

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