domingo, 21 de abril de 2013

JOAO CABRAL DE MELO: O CATADOR DE PALAVRAS

Por Elizeu Tomasi
Catar feijão 1.

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.


2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.
(João Cabral de Melo Neto)
Texto escrito para disciplina de Literatura Brasileira III da UFSC
            João Cabral de Melo Neto marcou a poesia modernista pela simplicidade em que expressou seus versos. De uma maneira simples e livre, falou sentimentalmente sobre o homem e sobre a realidade por este vivida, mas não limitou sua poesia a temática regionalista. Com a mesma simplicidade que falou sobre a vida Severina de Severino, o poeta pernambucano aventurou-se também a falar sobre o próprio ato de escrever.

            Em Catar Feijão, João Cabral de Melo Neto, de uma maneira simples, mas precisa, compara o ato de escrever com o ato de catar feijão. Buscando a significação do verbo “catar”, o dicionário Michaelis (2008) traz a definição “recolher um por um, buscar, pesquisar”; já no Cegalla (2005), encontramos: “retirar impurezas de, escolher”. A partir deste único vocábulo, é possível identificarmos a grande metáfora criada pelo poeta. Como o individuo que cata feijão, o escritor precisa buscar palavras, recolhê-las uma a uma, pesquisar, retirar impurezas; um trabalho árduo para ambos: o escritor e o catador de feijão.

            O poema é dividido em duas estrofes cada uma com oito versos. Na primeira estrofe, o poeta expõe a simplicidade que ambas as ações apresentam. Enquanto no catar do feijão jogam-se os grãos na água em uma bacia, no escrever as palavras são, simplesmente, jogadas em uma folha de papel. Em seguida, joga-se fora o que boiar. Com um soprar, tira-se do feijão o que é leve, e da escrita o que foi supérfluo não necessário, que acaba sujando a escrita tornando-a complexa de mais. Observamos aqui, uma espécie de explicação para seu estilo simples e econômico de escrever. Nesse sentido, o significado mais adequado para o verbo catar, dentro do texto, é o de escolher. Escolher palavras, escolher feijão; como define CEGALLA (2005) “retirar as impurezas”.

            Já na segunda estrofe, ao aproximar as duas ações João Cabral de Melo Neto afasta o catar feijão do escrever. Um risco comum as duas praticas, é o de deixar algo impuro, mas não leve. Entre os grãos de feijão, pode ficar um grão qualquer, pedra ou indigesto. O resultado, com certeza seria imastigável, de quebrar os dentes. No se tratando do escrever, a pedra resultaria em algo diferente que, daria à frase seu grão mais vivo, desafiando o leitor e impedindo a leitura fluviante, flutual.  Em outras palavras, o que é imastigável entre os feijões, prende a atenção do leitor, isca-a como o risco evitando a leitura superficial.

            No que diz respeito à estruturação das estrofes, cada uma delas é compostas de dois quartetos, bem definidos e marcados pelo ponto final. Os dois quartetos da primeira estrofe são bastante claros e objetivos denotando as duas ações que são comparadas ao logo do texto: o escrever e o catar feijão. Já os dois quartetos da segunda estrofe denotam riscos, dificuldades e as conseqüências de cada uma das ações.  A pontuação é bastante simétrica, podendo ser observado que as duas estrofes apresentam uma pontuação bastante parecida.

            Além da metáfora que o poema apresenta em relação ao ato de escrever e catar feijão; podemos encontrar também algumas claras antíteses dispersas ao longo dos versos como: o feijão/material X palavra/ideal, água/liquido X papel/sólido, boiar X afundar, leve X pesado, ainda há uma evidente contradição entre o grão imastigável, que quebra o dente e a pedra, que dá a frase seu grão mais vivo. No quarto verso da segunda estrofe, nos deparamos com a sensação de leveza e superficialidade da leitura fluviante, futual que de repente é interrompida pelo risco que a pedra representa.

            Como modernista que é, encontramos na poesia de João Cabral a liberdade formal, que dispensou o uso das rimas no poema.  O ritmo do poema é dado pela própria metalinguagem do poema, ou seja, pela escolha de palavras oxítonas ou paroxítonas intercaladas com monossílabos dando-nos a sensação própria de quem “cata” o feijão, escolhe palavra por palavra eliminando suas impurezas em um processo manual e consecutivo.

Além desse recurso, o ritmo do poema também é marcado pelo uso constante de assonância e de aliteração. No verso dois da primeira estrofe, encontramos a aliteração de g repetido em todas as palavras não monossílabas do verso: joga-se os grãos na água do alguidar. No sétimo verso da segunda estrofe, temos a aliteração de t: obstrui a leitura fluviante, flutual. Assim como a aliteração, a assonância está fortemente marcada na poesia de João Cabral.  As vogais a e o são recorrentes ao longo do poema principalmente no quarto e oitavo versos da primeira estrofe: e depois joga-se fora o que boiar; e jogar fora o leve e oco, palha e eco.  E no já citado verso obstrui a leitura fluviante, flutual são as vogais i e u que são ressaltadas.

Enfim, João Cabral de Melo Neto com seu emblemático poema Catar Feijão, brilhantemente explicou o árduo trabalho de escrever, o que muitos outros poetas e teóricos já haviam feito. João Cabral, em sua simplicidade “despiu de traços supérfluos”, como afirmou BOSSI (2003, p.471) e como um catador de feijões, jogou os grãos na água do alguidar, ou melhor, as palavras na folha de papel. Jogou fora o que boiou, soprou o que era leve e oco, palha e eco, imastigavel de quebrar o dente, as impurezas e excessos... Deixando, no entanto a pedra que deu ao texto seu grão mais vive que nos permitiu uma leitura desafiadora e nada fluviante e flutual.

BIBLIOGRAFIA

GUALBERTO, Ana Claudia Felix; RAMOS, Tânia Regina Oliveira; CORSO, Gizelle Kaminski; Literatura Brasileira III: 7° período, UFSC. Curso de Licenciatura Letras – Português na Modalidade a Distância - Florianópolis, 2013.

ALMEIDA, Tereza Virginia de Teoria da Literatura II: 5° período, UFSC. Curso de Licenciatura Letras – Português na Modalidade a Distância - Florianópolis, 2012.

MICHAELIS: Dicionário Prático de Língua Portuguesa – São Paulo: Editora Melhoramentos, 2008.

CEGALLA, Domingos Paschoal; Dicionário Escolar da Língua Portuguesa – São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

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