segunda-feira, 29 de abril de 2013

CLARICE E NÉLIDA: Um grito contra a opressão feminina

Por Elizeu Tomasi

         As narrativas de Clarice Lispector e Nélida Pinõn constroem uma importante alegoria da posição feminina em um mundo extremamente machista, materialista e intolerante. Com a intenção de denunciar a opressão que a mulher vive e nos levar a refletir a cerca das relações entre os gêneros, os contos Os obedientes (1964) e I Love my husband (1980), de Clarice e Nélida respectivamente, retratam a realidade cotidiana de muitos casais presos às aparências e aos estigmas impostos pela sociedade.

            Ambos os contos apresentam um mulher que perdeu sua identidade e sua individualidade e passam, por reflexo cultural e influencia social e familiar, viver a vida de seus maridos. Em Nélida, lemos a resignação da mulher “[...] sou a sombra de um homem que todos dizem eu amar.” Percebemos que a mulher tenta justificar essa posição afirmando para si mesma que ela é a base de um homem que “constrói o seu mundo com pequenos tijolos”. Ela parece contentar com um sutil reconhecimento “A mim também me saúdam por alimentar um homem que sonha [...] faz o país progredir”.  Era como se ele apenas tivesse o direito de sonhar e construir, quanto a ela fosse dado consumir o que ele construíra “ [...]proclama que não faço outra coisa senão consumir o dinheiro que ele arrecada.”

Já em Os obedientes vemos uma mulher que ao casar-se segue a vida obediente do marido sem permitir-se sonhar e inventar: “Esse homem e essa mulher começaram — sem nenhum objetivo de ir longe demais, e não se sabe levados por que necessidade que pessoas têm — começaram a tentar viver mais intensamente”. E nessa vida de extrema obediência o casal faz tudo certo, sempre igual, sem sonhos (“À procura do destino que nos precede?”), vivendo oprimidos pela rotina do marido.

O interessante nesta condição da mulher em nossa sociedade é perceber que é algo já imposto no seio da família repassado de mãe para filha criando um circulo vicioso. Assim afirma Nélida: “Ser mulher é perder-se no tempo, foi regra de minha mãe” e o pai no dia casamento ainda destaca à filha “viverás a vida do teu marido, nós te garantimos, através deste ato que serás jovem para sempre. A mulher precisa se perder para permitir que o marido se encontre e progrida “Já viu, filha, que coisa mais bonita, uma vida revelada, que ninguém colheu senão o marido, o pai de seus filhos”?”. Ao trazer esta reflexão para o conto de Clarice Lispector, compreendemos a resignação da mulher à vida medíocre proporcionada pelo seu marido “olhando para o dia passado é que tinham a impressão de ter — de algum modo e por assim dizer à revelia deles, e por isso sem mérito — a impressão de ter vivido”.

Cruzando ambos os contos compreendemos a condição oprimida da mulher, que deixando sua vida de lado para viver a vida do outro precisando a cada instante afirmar para si mesma: “Eu amo meu marido”, mesmo vivendo uma vida de obediência e delírios que Não era uma vida de sonho, pois este jamais os orientara”. São os delírios e os sonhos oprimidos pelo outro e pelas imposições sociais que aproximam as personagens dos contos. A personagem de Clarice Lispector reconhece que “Faltava-lhes o peso de um erro grave, que tantas vezes é o que abre por acaso uma porta” e chega a pensar que “um outro homem a salvaria”. Já em Nélida Piñon vemos que a personagem reconhece pensamentos e desejos que seriam criticados pelo marido e pela sociedade em geral “[...] peço-lhe desculpas em pensamento, prometo-lhe esquivar-me de tais tentações.

Enfim, ambas as personagens assim como muitas mulheres reais vivem “como num soneto, [...] obediência por amor à simetria. A simetria lhes era a arte possível”. Seguem dia após dias amando seus maridos e sendo “gratas pelo esforço que faz (os maridos) em amar-te”. A literatura feminista, por meio de nomes como Clarice Lispector e Nélida Piñon, abriu uma janela para que mulheres oprimidas pudessem refletir sua própria condição e para que a sociedade em geral reconhecesse os sonhos e eficiência da mulher. Assim, a personagem de Nélida recorre aos sonhos que julga contrários aos ensinamentos de sua família e ao esperado por seu marido, enquanto a personagem de Clarice, que sempre buscou viver em consonância com preceitos sociais e do marido reconhece que outro homem, que aceitasse a transgressão e o erro, seria sua salvação.


REFERÊNCIAS

PINÕN, Nélida. I Love my Husband. In: O Calor das Coisas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1880. P 57 – 67.

LISPECTOR, Clarice. Os Obedientes. In A Legião Estrangeira. São Paulo: Editora do autor, 1964.

MOREIRA, Moacyr Godoy. O Mal-estar em Clarice: estudo do conto “Os Obedientes”, disponível em http://publicacoes.fatea.br/index.php/angulo/article/viewArticle/163 acesso dia 09 de abril de 2013.

MOIANO, Douglas da Silva. A Identidade Feminina em I Love My Husband, de Nélida Piñon, disponível em https://sites.google.com/site/revistanovasletras/edicao-2011/02---douglas-da-silva-moiano acesso dia 11 de abril de 2013.

domingo, 21 de abril de 2013

JOAO CABRAL DE MELO: O CATADOR DE PALAVRAS

Por Elizeu Tomasi
Catar feijão 1.

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.


2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.
(João Cabral de Melo Neto)
Texto escrito para disciplina de Literatura Brasileira III da UFSC
            João Cabral de Melo Neto marcou a poesia modernista pela simplicidade em que expressou seus versos. De uma maneira simples e livre, falou sentimentalmente sobre o homem e sobre a realidade por este vivida, mas não limitou sua poesia a temática regionalista. Com a mesma simplicidade que falou sobre a vida Severina de Severino, o poeta pernambucano aventurou-se também a falar sobre o próprio ato de escrever.

            Em Catar Feijão, João Cabral de Melo Neto, de uma maneira simples, mas precisa, compara o ato de escrever com o ato de catar feijão. Buscando a significação do verbo “catar”, o dicionário Michaelis (2008) traz a definição “recolher um por um, buscar, pesquisar”; já no Cegalla (2005), encontramos: “retirar impurezas de, escolher”. A partir deste único vocábulo, é possível identificarmos a grande metáfora criada pelo poeta. Como o individuo que cata feijão, o escritor precisa buscar palavras, recolhê-las uma a uma, pesquisar, retirar impurezas; um trabalho árduo para ambos: o escritor e o catador de feijão.

            O poema é dividido em duas estrofes cada uma com oito versos. Na primeira estrofe, o poeta expõe a simplicidade que ambas as ações apresentam. Enquanto no catar do feijão jogam-se os grãos na água em uma bacia, no escrever as palavras são, simplesmente, jogadas em uma folha de papel. Em seguida, joga-se fora o que boiar. Com um soprar, tira-se do feijão o que é leve, e da escrita o que foi supérfluo não necessário, que acaba sujando a escrita tornando-a complexa de mais. Observamos aqui, uma espécie de explicação para seu estilo simples e econômico de escrever. Nesse sentido, o significado mais adequado para o verbo catar, dentro do texto, é o de escolher. Escolher palavras, escolher feijão; como define CEGALLA (2005) “retirar as impurezas”.

            Já na segunda estrofe, ao aproximar as duas ações João Cabral de Melo Neto afasta o catar feijão do escrever. Um risco comum as duas praticas, é o de deixar algo impuro, mas não leve. Entre os grãos de feijão, pode ficar um grão qualquer, pedra ou indigesto. O resultado, com certeza seria imastigável, de quebrar os dentes. No se tratando do escrever, a pedra resultaria em algo diferente que, daria à frase seu grão mais vivo, desafiando o leitor e impedindo a leitura fluviante, flutual.  Em outras palavras, o que é imastigável entre os feijões, prende a atenção do leitor, isca-a como o risco evitando a leitura superficial.

            No que diz respeito à estruturação das estrofes, cada uma delas é compostas de dois quartetos, bem definidos e marcados pelo ponto final. Os dois quartetos da primeira estrofe são bastante claros e objetivos denotando as duas ações que são comparadas ao logo do texto: o escrever e o catar feijão. Já os dois quartetos da segunda estrofe denotam riscos, dificuldades e as conseqüências de cada uma das ações.  A pontuação é bastante simétrica, podendo ser observado que as duas estrofes apresentam uma pontuação bastante parecida.

            Além da metáfora que o poema apresenta em relação ao ato de escrever e catar feijão; podemos encontrar também algumas claras antíteses dispersas ao longo dos versos como: o feijão/material X palavra/ideal, água/liquido X papel/sólido, boiar X afundar, leve X pesado, ainda há uma evidente contradição entre o grão imastigável, que quebra o dente e a pedra, que dá a frase seu grão mais vivo. No quarto verso da segunda estrofe, nos deparamos com a sensação de leveza e superficialidade da leitura fluviante, futual que de repente é interrompida pelo risco que a pedra representa.

            Como modernista que é, encontramos na poesia de João Cabral a liberdade formal, que dispensou o uso das rimas no poema.  O ritmo do poema é dado pela própria metalinguagem do poema, ou seja, pela escolha de palavras oxítonas ou paroxítonas intercaladas com monossílabos dando-nos a sensação própria de quem “cata” o feijão, escolhe palavra por palavra eliminando suas impurezas em um processo manual e consecutivo.

Além desse recurso, o ritmo do poema também é marcado pelo uso constante de assonância e de aliteração. No verso dois da primeira estrofe, encontramos a aliteração de g repetido em todas as palavras não monossílabas do verso: joga-se os grãos na água do alguidar. No sétimo verso da segunda estrofe, temos a aliteração de t: obstrui a leitura fluviante, flutual. Assim como a aliteração, a assonância está fortemente marcada na poesia de João Cabral.  As vogais a e o são recorrentes ao longo do poema principalmente no quarto e oitavo versos da primeira estrofe: e depois joga-se fora o que boiar; e jogar fora o leve e oco, palha e eco.  E no já citado verso obstrui a leitura fluviante, flutual são as vogais i e u que são ressaltadas.

Enfim, João Cabral de Melo Neto com seu emblemático poema Catar Feijão, brilhantemente explicou o árduo trabalho de escrever, o que muitos outros poetas e teóricos já haviam feito. João Cabral, em sua simplicidade “despiu de traços supérfluos”, como afirmou BOSSI (2003, p.471) e como um catador de feijões, jogou os grãos na água do alguidar, ou melhor, as palavras na folha de papel. Jogou fora o que boiou, soprou o que era leve e oco, palha e eco, imastigavel de quebrar o dente, as impurezas e excessos... Deixando, no entanto a pedra que deu ao texto seu grão mais vive que nos permitiu uma leitura desafiadora e nada fluviante e flutual.

BIBLIOGRAFIA

GUALBERTO, Ana Claudia Felix; RAMOS, Tânia Regina Oliveira; CORSO, Gizelle Kaminski; Literatura Brasileira III: 7° período, UFSC. Curso de Licenciatura Letras – Português na Modalidade a Distância - Florianópolis, 2013.

ALMEIDA, Tereza Virginia de Teoria da Literatura II: 5° período, UFSC. Curso de Licenciatura Letras – Português na Modalidade a Distância - Florianópolis, 2012.

MICHAELIS: Dicionário Prático de Língua Portuguesa – São Paulo: Editora Melhoramentos, 2008.

CEGALLA, Domingos Paschoal; Dicionário Escolar da Língua Portuguesa – São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

DODECAEDRO: o poder da criatividade literária


Livro "Triângulo das Águas" - onde foi publicado a novela/noturno "Dodecaedro"
TEXTO escrito para a disciplina de Estudos Literários no Curso de Letras - Português UFSC
              
O poder criativo da mente humana é algo infinitamente inexplicável. Quando se fala então de arte, este inexplicável torna-se ainda mais evidente. Um bom exemplo dessa característica sem limites de nossa criatividade é o Dodecaedro, segundo o autor –Caio Fernando Abreu - um “noturno”, mas segundo a Teoria Literária uma novela. Afinal, onde está a dificuldade em classificar essa alegórica composição literária que compõe o livro “Triangulo das Águas”?

            A nossa capacidade de criar formas para expressar nossos sentimentos, emoções, pensamentos, ou impressões sobre o mundo jamais se limita a uma forma de arte, ou a um gênero de determinada expressão artística. Ao se expressar literariamente, ou seja, ao escrever sua impressão do mundo, o escritor não se permite limitar-se pelas características formais, estruturais ou temáticas de um ou outro gênero textual. O escritor simplesmente se deixa expressar de forma que suas ideias vão compondo sua produção livremente.

            Nesse sentido, é de se reconhecer que uma obra como a de Caio Fernando Abreu, em especial “Dodecaedro”, composta em um tenso contexto social – a ditadura militar do Brasil - dificilmente apresentaria uma uniformidade, por assim dizer – tipológica. O medo a angústia, a incerteza e a incompreensão de um período de opressão e resistência, fazem o escritor se expressar de diferentes formas mesmo quando se tratando de uma mesma obra.

Como afirma Alyne Rehm, de nada serve falar em repressão de forma simplesmente narrativa, sem tirar o leitor de sua zona de conforto. E em “Dodecaedro”, Caio Fernando Abreu soube perfeitamente “incomodar” o leitor hora falando em tom sentimental e lírico, hora escrevendo em tom de crônica, compondo uma novela com espaço único próprio de um conto perfeitamente possível de interpretação teatral.

Assim, Caio deu asas ao seu poder criativo desafiando os estudiosos da literatura com uma obra completamente hibrida, mostrando que a literatura não se prende aos gêneros, muito menos às regras. Se é um conto, uma novela, uma poesia em prosa, um texto teatral, ou noturno, o que importa é que o escritor nos presenteou com uma perfeita e brilhante alegoria do período de repressão no Brasil e seria um crime privar nossos jovens e adolescentes em fase escolar desse desafio que é desvendar o segredo por trás dos doze personagens que compõe o dodecaedro brasileiro de Caio Fernando Abreu.

Propor uma leitura dramatizada, ou até mesmo a encenação de “Dodecaedro” para os alunos seria um desafio e tanto. Além da atividade de dramatização, a obra permite um excelente trabalho interdisciplinar com a disciplina de história permitindo ao professor de língua portuguesa abordar as formas com que o Caio poeticamente estruturou a linguagem para falar o que sentia no momento em que não devia.

Caio Fernando Abreu

Dodecaedro







ABREU, Caio Fernando; Dodecaedro, disponível em https://ead.moodle.ufsc.br/mod/assignment/view.php?id=72476

HEHN, Alyne; Dodecaedro: repressão e resistência,  disponível em http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/31989/000784906.pdf?sequence=1



terça-feira, 9 de abril de 2013

FILME IRACEMA A VIRGEM DOS LÁBIOS DE MEL

PARA OS ALUNOS DO 2°ANO QUE DESEJAREM CONHECER MAIS SOBRE A OBRA IRACEMA DE JOSÉ DE ALENCAR, SEGUE O FILME BASEANDO NA OBRA.
PODEM FICAR A VONTADE PARA COMENTAR E DISCUTIR O FILME!

terça-feira, 2 de abril de 2013