sábado, 21 de julho de 2012

VIAGENS NA MINHA TERRA: (RE) DESCOBRINDO SANTA CECÍLIA

         O verdadeiro descobridor é aquele que descobre sua terra sempre. Foi pensando assim, que decidimos fazer uma excursão por um lugar que pode ser um dos mais belos desse imenso país, a cidade de Santa Cecília – a nossa cidade. Poucos são aqueles que a enxergarão da forma que a descreveremos aqui. Muitos, ao passarem pela BR116 até nem a notarão, mas ela está aqui, no alto da serra catarinense, há 54 anos esperando para ser (re) descoberta.
            A excursão começa em uma gelada manhã de julho. A geada da noite anterior cobre tudo com um manto branco como seda suave e obriga a todos a usarem pesadas blusas e casacos, luvas, cachecóis e toucas são essenciais para quem quer desfrutar dos prazeres gelados dessa pequena cidade da serrana.
O sol começa a aparecer alaranjado no céu, mas ainda não é forte o suficiente para aquecer-nos. Assim, o fogão à lenha vem a ser um importante aliado para tornar o momento agradável. Da janela da cozinha, avista-se a fumaça da nossa chaminé, misturando-se à fumaça das chaminés das casas vizinhas. A visão é de uma pintura, um quadro pintado pelo Pintor Universal.
 Sobre a chapa fumegante do fogão à lenha, o pinhão estala! Todos aguardam a semente da araucária assar enquanto a cuia de chimarrão circula de mão em mão e os planos para o decorrer do dia são feitos. De repente, um aroma forte toma toda a cozinha. Ninguém diz uma palavra sequer, mas todos sabem que é hora de deixar a cuia de lado, pois o café, coado no coador de pano já está pronto. O pinhão é tirado da chapa e macetado sobre um pau de lenha. É o café serrano servido ao redor do fogão: pinhão sapecado e café forte feito na hora.
O sol já brilha mais forte, mas o manto branco ainda permanece estendido sobre a cidade. Aos poucos as pessoas deixam suas casas rumo aos seus afazeres. Carros começam a circular pelas ruas, risos e prosas sempre altas, comentários sobre o frio da noite anterior e sobre a geada são ouvidos por todos os lados. É o despertar na terra da madeira!
Já nas ruas, as pessoas se cumprimentam! Conhecidos e desconhecidos interagem como velhos amigos. Caminhando pela avenida principal da cidade, um monumento imponente e rústico, todo feito de pedra bruta, evidencia a fé desse povo. É Santa Cruz! Aproximamo-nos com reverência, pois um monge também esteve ali tornando aquele chão um local santo.  
Lugares santos não faltam neste chão!  Há quatro quilômetros da cidade, encontramos outra capela. Esta capela é devotada a certo negrinho, afiliado de Nossa Senhora, que sofria nas mãos de seu dono, um estancieiro malvado que batia no menino e em certa noite de inverno, o colocou nu sobre um formigueiro, por haver perdido um de seus cavalos. A história, meio africana, meio cristã, é conhecida nacionalmente, principalmente nos pampas do sul, mas é aqui, nesta cidade muitas vezes esquecida e ignorada, que encontramos a Capela do Negrinho do Pastoreio.
Ao voltarmos para casa, já próximo ao meio-dia, o sol se punha alto e brilhava forte, a ponto de derreter toda a geada e nos obrigar a tirar as luvas e os cachecóis. Todos reunidos à mesa para o almoço, e mais uma vez ali se faz presente o pinhão, misturado à carne moída e acompanhado de bacon, tempero verde, pimenta... A famosa paçoca de pinhão, regada a um bom vinho tinto que contribui para termos que tirar também o casaco e a toca.
Após o almoço, nada melhor que uma roda de chimarrão, onde mais uma vez a cuia roda de mão em mão. O mate é a água de coco da serra! A conversa rola solta, fala-se do tempo, do frio, de política, de futebol; as mulheres trocam receitas e as crianças correm no terreiro. Ronca o chimarrão, passa-se ao próximo...
Engana-se quem pensa que uma cidade pequena e interiorana como Santa Cecília não tem espaço para um shopping! No meio da tarde, vamos todos visitar o imponente shopping de Santa Cecília, que chama atenção dos viajantes que passam pela BR 116. Mas este é um shopping especial, diferente daqueles presentes em outras cidades. Ao entrarmos no prédio de arquitetura germânica, logo percebemos que se trata de um shopping fantasma. Não há ali o movimento costumeiro dos centros comerciais, não há pessoas com sacolas na mão, pois também não há lojas; um restaurante apenas mantém o gene comercial do local.
Saímos do shopping meio perplexos com a situação, mas logo ao atravessarmos a BR, algo nos chamou atenção. Um som meio torto de gaita soava animado na calçada: “tá gareando lá fora! Ta gareando lá fora...”.Era uma figura muito querida nas ruas da cidade, um rapaz apelidado gentilmente pela comunidade de Gareando nos saudava com sua animação e simpatia, tirando um divertido som de sua pequena gaita e simulando o conhecido programa radiofônico Matiando com o Tio Bile.
Divertimo-nos muito com o Gareando, mas à tarde já caia e começávamos a sentir novamente a presença do vento minuano, que trazia com ele o frio. O casaco, a toca, o cachecol e as luvas já começavam a fazer falta. Voltamos para casa onde o fogão à lenha já nos esperava aquecido. Sobre a chapa, não podia faltar o pinhão agora, em um disco ferro entreverado com carne de gado, aipim, batata, tomate e pimentão para o jantar.
 Já era noite e o frio se intensificava, falava-se até na possibilidade de neve naquela noite. Se nevasse seria uma enorme bênção para todos nós, caso não chegasse a tanto, no dia seguinte, nossa excursão seria pelo interior do município, diversas cachoeiras e pedreiras permitiriam a prática de rapel e muitos outros esportes radicais, além de uma natureza verdadeiramente inesquecível.
Elizeu Domingos Tomasi

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