quarta-feira, 20 de abril de 2011

O LETRAMENTO POR MEIO DE GÊNEROS: UM CURRICULO VERDADEIRAMENTE SIGNIFICATIVO


            A professora Doutora Maria do Socorro Oliveira é titular do Departamento de Letras da UFRN. Dedicou-se sempre ao ensino, buscando novas maneiras de praticas pedagógicas. Iniciou sua carreira na área de Letras, onde tornou-se Mestra em Linguística; conheceu também a Pedagogia. Influenciada diretamente pela Professora Doutora Ingedore V. Roch,  e posteriormente pela Professora Doutora Angela B. Kleiman da UNICAMP, arriscou-se na Línguística Aplicada, área na qual é pós-doutorada. Hoje realiza importantes estudos sobre o letramento e gênero textual e realiza projetos acerca do letramento na escola e o domínio deste pelo professor.
            O artigo aqui resenhado, “Gêneros Textuais e Letramento”,  discorre claramente sobre os complexos conceitos de letramento e gênero, objetos de extrema importância tanto prática como teórica no ensino e aprendizagem. O artigo já mencionado, foi apresentado pela autora no “V Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais – SIGET”, em agosto de 2009 em Caxias do Sul – RS. Dialogando constantemente com Kleiman, Bazerman, Street, Baynhan, Freire e outros estudiosos, o artigo de Oliveira trata-se de uma publicação  fundamental para a formação de alfabetizadores e professores de língua-materna.
            Oliveira (2009) inicia seu artigo explanando sobre como conceito de letramento e gênero foi incorporado na esfera escolar brasileira. A incorporação desses elementos práticos e teóricos, de fato revolucionaram a prática pedagógica, bem como o processo de formação de professores, a proposta curricular e os programas de letramento, segundo Oliveira (2009, p. 2):
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) -  coleção de  documentos publicados pelo Ministério da Educação e Cultura em 1997 – inauguram importante e desafiadora fase na educação brasileira que gera resistências por parte daqueles mais apegados a concepções tradicionais de ensino e se apresenta como uma dificuldade para os professores que, por falta de formação adequada, sentem-se inseguros/ou incapazes de implementar práticas didáticas inovadoras fundamentadas em um conjunto de teorias até então desconhecidas como objeto de estudo.

            A autora mostra a preocupação do governo  em, por meio dos órgãos oficiais,  oferecer uma formação adequada aos professores. “O MEC procurou assegurar o debate dessa proposta curricular mediante a proposição de programas e projetos que atendessem, de forma ampla, à comunidade educacional brasileira” (OLIVEIRA, 2009, p 2). Esses programas de formação, trouxeram para o conhecimento dos professores vários conceitos lingüísticos teóricos entre eles, o conceito de letramento e gênero. No entanto estes conceitos ficaram apenas no discurso desses professores, que não conseguiram aplicá-los em suas práticas dentro das salas de aula. Tornaram-se, como menciona Oliveira (2009), “”modismos’ [...], houve apenas uma ‘popularização’ desses referencias teóricos.”
            Assim, observa-se a complexidade desses referenciais teóricos frutos de calorosas discussões e debate no meio acadêmico e cientifico. Tanto letramento, quanto o gênero figuram-se como elementos de alta relevância na formação do professor; visto que, o letramento do professor influência diretamente no letramento do aluno. Também esses referencias possuem uma ampla bagagem de visão canônica,  o que expande ainda mais o debate sobre letramento e gênero para o âmbito da diversidade e inclusão social do ser letrado.
            Preocupada desde 1997 com a relação aluno – gênero – professor, Maria do Socorro Oliveira expôs várias outras publicações em que discutia a prática textual dentro da escola. Nesta publicação (2009), ela demonstra as diretrizes dadas ao letramento e ao gênero pelo PCN. Segundo Oliveira (2009, p.4):
A principal implicação é o reconhecimento do letramento como um fenômeno neutro, natural, singular, autônomo, visível. Neutro no sentido de que pode ser indiferentemente aplicado a qualquer aluno [...] Natural porque resulta do consenso  social que segue a ordem regular das coisas [...] Singular porque está equacionado a uma prática universalizante [...] conduzindo a um único lugar – o da cultura letrada[...] Autônomo porque ocorre de modo descontextualizado[...] Visível pelo poder e legitimação que ao letramento canônico (letramento cultural) é atribuído.

            A complexidade do letramento reside em sua pluralidade. A linguagem está presente nas mais variadas formas, e nas mais diversas esferas sendo utilizada por pessoas diferentes, com objetivos e necessidades específicos. E devido a essa variedade de letramentos que é possível se falar em gêneros mais tradicionais, mais reconhecidos e gêneros menos tradicionais até certo ponto marginalizados. Oliveira (2009) usa o termo ‘guerra de letramentos’ (SNYDER, 2008), para definir a relação entre os gêneros tradicionais e os gêneros marginalizados. Assim, a autora defende que esses letramentos devem ser compreendidos levando em consideração o contexto social em que estão inseridos. Segundo Oliveira (2009), “os letramentos formatam e são formatados pela cultura; sofrem interferência de posições ideologias implícitas ou explicitas.” Ela deixa claro também que o letramento por ser múltiplo e não estático, sofre também influência econômica, tecnológica política e histórica.
            Observa-se que nossa prática social é por si só bastante complexa, sendo a linguagem que permite a interação dentro dessas práticas o letramento torna-se também complexo. Usamos a linguagem – o letramento – nos mais diversos contextos sociais, com interlocutores diferentes, objetivos e suportes também diferenciados. Dessa maneira torna-se obrigatório que o individuo domine múltiplos e complexos tipos de letramento. Como cita Oliveira (2009), ‘o que’ se lê e “como” se lê, é fortemente determinado pelo ‘lugar’ onde lemos. Esse ‘lugar’ se refere as diversas esferas sociais onde interagimos; casa, escola, trabalho, igreja.etc.
            Assim vivemos imersos em um mundo de letramento. Desde o momento em que acordamos pela manhã, até a hora em que dormimos a noite somos colocados em contato com diferentes formas de leitura e escrita, o que exige de nós diferentes posturas como seres letrados. É o domínio dessas diferentes formas de letramento em nossa interação social que nos permite atuarmos criticamente como cidadãos. Como diz OLIVEIRA (2009, p.6):
Sabemos que o mundo é textualizado. A leitura e a escrita estão em toda a parte. O que circula, portado, na rua, ou em ambientes comunitários são modos de inscrição específicos (placas, propagandas, faixas, outdoors, fachadas, etc.) de grande força comunicativa e que, por isso, merecem atenção. Consumir e saber produzir os inúmeros textos que se distribuem nos mais variados contextos sociais significa não apenas ter acesso a essas praticas comunicativas mas também assumir uma forma de poder que é negada a muitos.

            Dessa  maneira, a escolha de um gênero em detrimento de outro deve sempre levar em consideração o contexto comunicativo ao qual está inserido, bem como, aos objetivos que se busca atingir com o mesmo. Fazendo-se, dessa forma, necessária uma reformulação do currículo escolar que priorize a formação de competências de linguagens em diferentes tipos de letramento. Como cita Oliveira (2209), “ensinar alguém a ler e a escrever para os ‘letramentos do futuro’ (LEU, et al, 2004).
            Outro aspecto, que contribui para a complexidade referente ao letramento e ao gênero é a sua condição dêitica. O letramento sofre influencia direta das condições sócio-históricas em que esta imerso. É essa característica, que faz com que certas produção sejam compreendidas ou interpretadas de maneiras distintas em épocas  e lugares diferentes. Isso se dá pela transformação  decorrente da evolução tecnológica, histórica e social por que passa a comunidade.
As rápidas transformações tecnológicas que hoje se dão afetam profundamente o letramento, na medida em que requerem do indivíduo, novas habilidades e estratégias para se adequar e adquirir os letramentos que emergem, além de abrir possibilidades para uso criativo da tecnologia como uma ferramenta útil para exercer novas funções e propósitos de formatação e composição de mensagens. (OLIVEIRA, 2009, p. 9)
            Compreende-se dessa forma, que como Street (1994) já afirmava os letras são ideológicos por carregarem uma ampla e importante bagagem sociocultural. O domínio do letramento tem o importante poder de transformar o contexto social do individuo fazendo com que a realidade desse, seja vista com olhos mais críticos e reflexivos buscando sempre constituir um ‘bem social’. Vale também expor que essa mudança social irá também refletir no letramento de seus indivíduos formando um ciclo de inclusão social.
            Dessa forma entende-se que o letramento é cultural. E sendo cultural é inaceitável que um tipo de letramento seja marginalizado por outro considerado canônico. As práticas de letramento, principalmente aqueles desenvolvidas dentro da escola deve compreender o letramento próprio de uma esfera social e não preconceituá-lo. Para isso é necessário que haja uma mudança no entendimento das práticas de ensino passando a ser mais instrutiva e menos avaliativa, por meio da implantação de programas de letramento, que levem em consideração  a realidade social dos indivíduos que serão alvo do programa. Segundo OLIVEIRA (2009, p.11):
Trabalhar nessa re(invenção) requer a implementação de programas de letramento que respondam às aspirações do grupo a que se destina, oferecendo a eles a possibilidade de usar a leitura e a escrita de forma funcional, ou seja, como instrumento que busque alternativas para resolver problemas de âmbito local ou que esteja sintonizado com os desejos e sentimentos daqueles a quem está endereçado.

            Essa atividade, no entanto, não se figura em algo fácil. Basta lembrarmos das demandas de alunos recebidos nas escolas que são provenientes das mais diversas esferas sociais e usuários dos mais diferentes tipos de letramentos desde os mais canônicos até os mais marginalizados. Assim o professor deve estar preparado para fazer a articulação entre o letramento local e o global afim de possibilitar a inclusão social.
            Na medida que o individuo domina a linguagem a ponto de usá-la com propriedade em sua interação social para se afirmar como cidadão exigindo seus direitos e questionando o sistema, o letramento o torna critico. Para isso é fundamental que o indivíduo domine várias formas de comunicação e tenha condição de cruzá-las de maneira autônoma sem interferência de outros ou de outras culturas letradas. Defendendo essa ideia, Oliveira (2009) cita  Freire (1973); McLaren (1988); Giroux (1997) “formar cidadão crítico capaz de analisar e desafiar as forças opressoras da sociedade, de forma à torná-las mais justas, igualitárias e democráticas; lutar contra “a cultura do silêncio” e defender a produção de um conhecimento cultural como um elemento de força no jogo de discursos conflitantes”
            Para obtermos esse letramento crítico é necessário, porém, uma mudança no currículo escolar. Transformar o currículo em uma ferramenta que proporcione o conhecimento linguístico usual, tendo com foco de preocupação o individuo e suas intenções e objetivos  ao querer dominar determinado letramento afim de que o conhecimento repassado na escola venha a atender as necessidades especificas do indivíduo em sua comunidade. OLIVEIRA (2009, p.13) cita o exemplo:
Por exemplo: alguém que está interessado em desenvolver sua competência leitora e escritora para prática cotidianas – ler a bíblia, escrever para parentes distantes, compreender instruções em situações de trabalho, ou ainda, exercitar seus direitos de cidadão, etc. – certamente se sentirá excluído em programas de letramento cuja atenção esta voltada para o domínio dos discursos de poder ou de assimilação das práticas canônicas. O atendimento desse aprendiz envolve trabalhar com específicos gêneros, focalizando determinadas habilidades e mecanismos textuais.

            Estes gêneros, citados por OLIVEIRA (2009), são tão complexos  e plurais quanto o letramento e como o tal também é foco de calorosas discussões no meio acadêmico. Sua definição vai além do texto. Gênero diz respeito a um contexto de pratica lingüística envolvendo desde o tema, linguagem, estilo, suporte, interlocutores e objetivos discursivos e comunicativos. Um gênero, como cita a autora, “é um modo próprio de dizer que revela quem fala e de que lugar fala”.
            Dessa forma, o letramento por meio de gêneros é o caminho para um currículo verdadeiramente significativo. Os PCNs indicam esse caminho, porém os professores continuam duvidosos sobre o trabalho com gêneros em sala de aula. Adotando um discurso cheio de conceitos lingüísticos teóricos, mas de forma vazia; muitos tem confundido gênero e tipologia textual tornando o letramento ainda mais complexo. Como afirma Bronckart (1999), “o objetivo não deve ser tornar o gêneros objetos reais de ensino, mas utilizá-los como ‘quadro de atividades social em que as ações de linguagem se realizam’”.  
            Pensar em gênero na esfera escolar implica reflexões bem maiores que a escolha de textos. Deve-se pensar em um projeto pedagógico, em que se envolva o aluno (e todo o contexto em que este se insere) e a abordagem teórica que se queira dar ao projeto. Deve-se também ter claro, se o projeto visa que o aluno domine o maior número de textos ou apenas o que será mais usado em seu contexto social.
Programas de letramento,  neste sentido, assumem um caráter transformador. Entendendo-se que os gêneros que são elementos estruturadores da vida social, no letramento crítico, é a prática social o componente orientador para o trabalho didático. (OLIVEIRA, 2009, p.15)

            Essa abordagem feita por Oliveira(2009) sobre o letramento critico por meio dos gêneros nos faz também refletir sobre o sentido da palavra “ensino”. Segundo autora, considerar ensino como “instrução” determina que o que se ensina de fato não é gênero e sim o texto. Por outro lado se o considerarmos como “imersão” ai, deve-se compreender que não se ensina gêneros, mas sim por meio de gêneros. Projetos de letramento nessa linha levam em consideração os anseios do aluno, ampliando seus horizontes para além da aquisição das competências de técnicas de leitura e de escrita.
            Maria do Socorro Oliveira chega a conclusão de que devido a complexidade  existente na pratica de letramento por meio de gêneros é necessário, além de uma formação efetiva e significativa dos professores, uma readequação curricular do ensino, que de fato prezem pelas determinações dos PCNs visando a formação qualitativa e não quantitativa do ser humano. Entendendo o gênero como um caminho para o letramento critico, e não como um objeto de ensino.
            Essa obra é de fato esclarecedora no que diz respeito ao estudo sobre letramento e gênero. A autora expõe de maneira bastante coerente as distintas definições de letramento e reflexo destas nas práticas nas atividades didáticas efetivas na sala de aula, afim de um ensino formador e significativo. A Oliveira é bastante sensata ao observar que o nosso sistema de ensino está ancorado em uma documentação teórica desafiadora baseado em importantes pesquisas sobre o ensino e aprendizagem – os PCNs – mas que infelizmente esta coleção de documentos é pouco compreendida pelos professores que adotaram um discurso vazio, cheio de modismos e pois cheio de dúvidas não efetivam os conhecimentos na prática pedagógica.
            A leitura e a reflexão sobre esse importante artigo é indicado a todos aqueles que se interessam por um ensino de qualidade e por um letramento funcional associado ao contexto social do educando. O interesse por esta publicação mostra também o interesse pelo aperfeiçoamento de nossa cultura letrada e por programas capazes de melhorar os indicadores de ensino e aprendizagem brasileiros.

Obras citadas

OLIVEIRA, Maria do Socorro. Gênero Textuais e Letramentos – Caxias do Sul/RS, 2009

BRASIL, MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental. Língua Portuguesa. Brasília, 1997.


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