Luis Fernando Veríssimo
Era uma vez uma donzela que caminhava pela beira de
um rio quando ouviu um "psiu". Era um sapo, que lhe contou que na
verdade era um príncipe amaldiçoado, transformado em sapo por uma bruxa malvada
com poderes mágicos. Se a donzela o beijasse, o sapo voltaria a ser príncipe. A
donzela acreditou no sapo, beijou-o, ele se transformou de novo em príncipe e
os dois se casaram e viveram felizes para sempre.
Anos depois outra
donzela teve a mesma experiência. Ouviu a mesma história, sobre a maldição da
bruxa que transformava qualquer coisa em outra coisa e fizera o príncipe virar
sapo. A donzela concordou em beijar o sapo para livrá-lo da maldição, com uma
condição:
- Beijo de língua,
não.
E viveram felizes
para sempre.
Muitos anos mais
tarde, depois da revolução industrial, uma donzela desempregada caminhava pela
beira do rio e ouviu a mesma história de um sapo. Concordou em beijá-lo, mas o
sapo se transformou num príncipe muito feio, talvez devido à poluição do rio. A
donzela protestou e ouviu do príncipe:
- Ué, pra quem já
beijou sapo!
Mas casaram-se e
tiveram uma vida difícil para viver, porque o príncipe, inclusive, perdera tudo
com o fim do feudalismo.
Já neste século, a
mesma história. "Psiu", sapo, bruxa com poderes mágicos, beijo, tudo
igual. Com apenas um instante de hesitação até que se esclarecesse um ponto:
- Precisa ser
donzela?
Não precisava.
Casaram-se e viveram etc.
Anos sessenta. A
mesma história, com uma variação: a moça era feminista. Ouviu o que a bruxa com
poderes mágicos que transformava qualquer coisa em outra coisa fizera com o
príncipe, e concluiu:
- Alguma você andou
aprontando!
E solidarizou-se
com a bruxa e chutou o sapo.
Jovem empresária
caminhando pela beira do rio artificial do seu condomínio fechado ouve o
"psiu", depois a conversa do sapo, e - diante dos protestos do sapo -
raciocina em voz alta:
- Um príncipe,
hoje, não vale muita coisa. Mas imagina o que eu posso ganhar com um sapo
falante, só em cachês!
E ela fez muito
dinheiro e viveu feliz com o sapo numa gaiola para sempre.
Anteontem. Jovem
ouviu a proposta do sapo, mas não decidiu em seguida. Procurou seu consultor
financeiro, que lhe lembrou que nada é mais valioso no mercado, hoje, do que
informação privilegiada como a que o sapo lhe passara.
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