quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Auto da Barca do Inferno: Uma Peça Sempre Atual


O Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente é uma obra que faz uma interessante crítica social a Portugal e aos portugueses. Nela encontramos o Diabo, a personagem mais importante da peça, tendo atribuições próprias de Deus. Representado como um personagem irônico e engraçado, o Diabo é retratado como aquele que por ser divertido, é “seguido”. É o verdadeiro juiz, que por conhecer os desejos mais verdadeiros dos homens é o que mais tem condições de julgá-los, afinal ele não promete um paraíso, não promete descanso e nem uma cidade de ouro. As pessoas o seguem por livre e espontânea vontade. Ele não “nos compra” e assim, é quem realmente pode julgar nossos atos humanos e após cada homem o escolher (escolher a barca do inferno) zomba dos pobres mortais apontando suas fraquezas e vícios.
Gil Vicente retrata a sociedade portuguesa como uma sociedade corrompida pelo pecado: imoral, infiel, corrupta, injusta, mentirosa... Uma sociedade sem virtudes (ou com poucas, visto que deixa a entender que apenas alguns preferem embarcar na barca da Glória), na qual as pessoas tentam esconder seus vícios e falhas por trás de títulos e status, onde ter é mais que ser e o individual é o que há de mais importante. Enfim na Portugal é retratado como uma sociedade decadente em que desde o clero até o sapateiro tiveram seus costumes degredados e se renderam ao pecado, apenas alguns poucos, que ainda seguem os costumes dos cavaleiros medievais, são dignos do reino dos céus.
Nessa sátira da sociedade portuguesa, entre muitos tipos portugueses, encontramos Parvo, um personagem praticamente sem identidade, cujo nome Joane, nada interfere ou faz diferença para o enredo. Ele não representa nenhum segmento social, no entanto mesmo quase insignificante, despreza o Diabo e se dirige a Barca da Gloria. Parvo, assim como qualquer humano, errou sem maldade e por isso fica aguardando purificação sendo por isso absolvido pelo Anjo por não ser responsável por seus atos e como poucos são os dignos à Barca da Glória, ele aceito nesta.
Esta peça é um típico exemplo de clássico que se mantém eternamente atual, ultrapassando os limites temporais e espaciais. O Auto da Barca do Inferno retrata a Portugal da Idade Média, mas pode perfeitamente ser associada ao Brasil (ou qualquer outro país) do século XXI. Nossa sociedade atual está completamente corrompida pelo capitalismo que cega o homem e o faz seguir unicamente em busca do status social e econômico, ignorando as virtudes sem preocupar-se com o outro e com o meio em que vive. Assim como na peça de Gil Vicente por nossa livre vontade seguimos o “Diabo do ter”, ignoramos a “Glória do Ser” e pagamos por esse nosso livre arbítrio vivendo em meio à violência, corrupção e miséria.

Por Elizeu Domingos Tomasi – Texto 2 de Literatura Portuguesa I

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