segunda-feira, 10 de setembro de 2012

VESTIBULAR UFSC 2013 - LISTA DE LIVROS

A Universidade Federal de Santa Catarina divulgou a lista das obras literárias para a próxima edição do processo seletivo. A instituição recomenda a leitura integral das oito obras para a realização da prova. Confira a lista:

- Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade; 
- Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues;
- Capitães de Areia, de Jorge Amado;
- Ecos no Porão, de Silveira de Souza; 
- Geração do Deserto, de Guido Wilmar Sassi; 
- Memórias de um sargento de milícias, de Manoel Antônio de Almeida;
- Memórias Sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade;
- Poesia Marginal, diversos autores.
De acordo com a universidade, o conhecimento dessas obras supõe capacidade de análise e interpretação de textos, assim como o reconhecimento de aspectos próprios aos diferentes gêneros. A UFSC entende também os candidatos devam conhecer o contexto histórico, social, cultural e estético de cada obra.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

ANIMALIZAÇÃO NA OBRA VIDAS SECAS DE GRACILIANO RAMOS


Em uma tentativa de expressar a desigualdade e a opressão social, que, desde sempre, imperou no mundo, Graciliano Ramos em Vidas Secas (1938), aproxima dois mundos: o do animal humano e do animal não humano. Já no capítulo que trata de Fabiano, podemos observar a aproximação entre o homem e o animal. Em um dos raros momentos reflexão, Fabiano exclama: “ – Fabiano, você é um homem!” (RAMOS, 2009, p.18). Mais adiante, porém, o vaqueiro corrige-se murmurando: “ – Você é um bicho, Fabiano”. (RAMOS, 2009, p.19). E ainda continuando sua auto reflexão,  Fabiano sente orgulho de sua condição, pois é apesar foi capaz de vencer as dificuldades e continuava sobrevivendo à seca.
Em sua “crise existencial”, Fabiano termina por aproximar-se da cachorra Baleia “ – Você é um bicho, Baleia”. (RAMOS, 2009, p.20). Ambos resistiam à situação, estar ali, “ [...] forte, até gordo [...]” (RAMOS, 2009, p.19), não era mérito exclusivo de Fabiano e de sua família; dos seis viventes que marchavam em meio a planície empoeirada, o único que não resistira fora o papagaio, que foi sacrificado para amenizar a fome dos retirantes. E nesta passagem teremos a primeira amostra da alteridade do animal humano sobre o animal não humano: “Resolvera de supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que era mudo e inútil” (RAMOS, 2009, p.12).
Já na passagem cinematográfica de Nelson Pereira dos Santos (1963), podemos perceber o quanto o extinto de animal predador prevalece na ação de Sinhá Vitória ao matar o papagaio, sua presa, justificando, em seguida, que a ave era inútil e não sabia falar. Essa passagem,  demonstra consonância com a definição de animais dada no Código Civil: “ são classificados como ‘bens semoventes’, uma propriedade do homem dotada de movimento próprio” (LEITE NETO, 2011).
Segundo Alcino Leite Neto em A Nova Revolução dos Bichos (2011), “os homens se definem por oposição aos animais, sendo estes inferiores àqueles por estarem desprovidos da razão, da palavra [...]”. Ao confrontarmos esta afirmação com a obra Vidas Secas, percebemos o paradoxo no fato de que a família consentiu com a morte do papagaio, justificando que o animal não falava, mas percebemos tanto no livro de Graciliano Ramos, como na sua adaptação para o cinema, o quanto a família de Fabiano tem dificuldade para se comunicar, situação que podemos identificar no trecho a seguir:
Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. [...] E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural [...] Às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopeias. Na verdade falava pouco. (RAMOS, 2009, p20)
No filme, por várias vezes a Sinhá Vitória compara a vida de sua família, à vida de animais. Na cena em que ela e Fabiano fazem planos para o dinheiro do marido, ela exclama: “Vamos dormir em cama de couro, vamos ser gente”, mais adiante, Sinhá Vitoria reclama da vida: “ Que vida! Vida de bicho!”.
Em oposição à animalização de Fabiano e sua família, observamos em Vidas Secas a zoomorfização da cachorra Baleia. No início do filme, o primeiro personagem que aparece é Baleia, correndo sempre a frente do grupo. Parece que ela que guia o grupo, sempre disposta, correndo e latindo como chamando os retirantes para a caminhada. Outro detalhe do filme que chama atenção para as características humanas de Baleia é o fato de ser sempre ela quem “avisa” Fabiano das quedas do menino mais velho. No capítulo “Baleia” Graciliano descreve a cachorra como sendo integrante da família de Fabiano: “Ela era uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferençavam [...]” (RAMOS, 2009, p.86). No filme, percebemos o quanto a família considerava Baleia como um deles na passagem em que  a família se põe a rezar pela melhora da cachorra, como sentindo que perderiam “um ente querido”.
Mas a personificação da cachorra se torna mais nítida, quando, mais uma vez, o homem põe à tona sua alteridade em relação ao animal não humano e resolve decidir o futuro de Baleia: “Então Fabiano resolveu matá-la.” (RAMOS, 2009, p.85). Vemos, no filme,  aflição e o sofrimento dos meninos ao perceberem que a única amiga seria sacrificada: “Os meninos começaram a gritar e a espernear.” (RAMOS, 2009, p.86). Na sequência de cenas do filme, em que Baleia começa a fugir de Fabiano, podemos notar o nível de consciência que Graciliano Ramos atribui à cachorra: “ A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi desviando, até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras.” (RAMOS, 2009, p.87).
Após levar o tiro,  Baleia, mesmo  sem a perna traseira, locomove-se “E perdendo muito sangue, andou como gente em dois pés” (RAMOS, 2009, p.88). Sem entender o que acontece, pela primeira vez a cachorra sente vontade de morder Fabiano. Aflita, Baleia começa a delirar como gente e, para representar o delírio da cachorra em seu leito de morte, Graciliano Ramos usa o cheiro dos preás que Baleia costuma caçar: “Sentiu o cheiro bom dos preás que desciam do morro, mas cheiro vinha fraco e havia nele partículas de outros viventes.” (RAMOS, 2009, p. 89).
Enfim, como podemos perceber, na intertextualidade do filme e do livro, à sombra da teoria da animalidade, podemos ter muito de animal não humano da mesma forma que estes podem ter muito de animal humano. E, ao compreendermos essa relação entre homem e animal, poderemos entender melhor a nossa essência como humanos e a nossa posição e relacionamento com as outras espécies e com a natureza ao nosso redor. Assim como afirma Maria Esther Maciel (2012), ao recuperarmos nossa animalidade, tenhamos consciência das consequências da atitude predatória que historicamente a humanidade vem tendo em relação ao planeta Terra. 
REFERÊNCIAS
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas,Rio de Janeiro: Record, 2009.
MACIEL, Maria Esther. UFSC [homepage na internet]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; [página atualizada em 14 Maio 2011; data de acesso: 10 Abril 2012]. Animal que habita o homem é tema de livro a ser lançado pela Editora da UFSC. Disponível em: http://noticias.ufsc.br/2011/05/14/pensar-e-escrever-o-animal-sera-lancado-na-segunda/.
GUIDA, Angela. Para uma política da animalidade. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL LITERATURA, CRÍTICA, CULTURA: LITERATURA E POLÍTICA, 5., 2011, Juiz de Fora. Anais do Simpósio Internacional Literatura, Crítica, Cultura V: Literatura e Política. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2011.
LEITE NETO, A. Nova revolução dos bichos. Folha de São Paulo (Caderno Ilustríssima), São Paulo, s/p, 17 Jul. 2011. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/il1707201105.htmAcesso em: 10 Abril 2012.
VIDAS Secas. Direção: Nelson Pereira dos Santos, 1963 (01:39:59), disponível em http://www.youtube.com/watch?v=DCTnivj9cz4; acessado dia 10 

PROJETO TOSCO EM AÇÃO: AULA DE LEITURA 05/09