sábado, 18 de agosto de 2012

A POESIA DEMOCRÁTICA DE OSWALD DE ANDRADE


O Realismo e o Naturalismo implicaram uma nova visão literária. O Brasil deixava de ser visto pelo foco idealizado dos românticos. O Modernismo seguiu essa linha de expressão, buscando expressar, o que realmente era nacional; dessa forma, o escritor modernista procurou despir a poesia de tudo o que não fosse verdadeiramente brasileiro; como podemos perceber nos seguintes versos de Oswald de Andrade:
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português

            Como percebemos, Oswald de Andrade deixa claro essa ideologia modernista: o europeu chegou à América e aqui nos impôs uma cultura cheia de por menores que não pertenciam a essa cultura brasileira. Junto com a cultura europeia, impregnou-se nos escritores nacionais a ideia de que a poesia era algo “sagrado”, feito por e para iluminados, algo distante das “pessoas comuns”. Como o expresso no poema acima, a literatura modernista propõe a libertação da poesia nacional.
            O primeiro passo para “despir” a nossa poesia foi a Poesia “Pau-Brasil”, que, como afirma Haroldo de Campos (1991) foi “um programa de dessacralização da poesia, através do despojamento da ‘aura’ de objeto único que circundava a concepção poética tradicional”.
            O nacionalismo idealizado, presente na poesia romântica, como a “Canção de Exílio” de Gonçalves Dias, é substituído por um nacionalismo consciente, que critica o nosso passado submisso à tradição e à estrutura poética europeia. Dessa forma, Oswald de Andrade (1991 [1924]), em poemas como Pero Vaz de Caminha, Meus Oito Anos e outros constrói o que Bella Josef (1982) chama de poemas paródias, ou seja, o modernista resgata obras clássicas e reconhecidas do Romantismo e Parnasianismo e os (re)escreve em uma linguagem mais informal e compreensível para aqueles que Walter Benjamin chamou de “leitores de jornais”, ou seja, para os leitores comuns.
            Em nenhum momento, porém, podemos dizer que Oswald ignora ou despreza o passado ou a tradição literária. Pelo contrário, ele o aceita e expressa em sua obra como podemos comprovar, no momento em que o poeta retoma a trechos da Carta de Pero Vaz de Caminha e os reproduz na forma do poema Pero Vaz de Caminha (1991 [1924]), com uma linguagem contemporânea e mais compreensível aos brasileiros de verdade. O poeta modernista continua brincando com a tradição romântica desconsiderando as rimas e mudando os versos em “Canção de Exílio” (1991[1924]), acrescentando ao poema clássico de Gonçalves Dias, o cotidiano progressista e problemático do século XX “eu tinha doces visões/da cocaína da infância/nos banhos de astro-rei/Do quintal da minha ânsia/A cidade que progredia/Em roda de minha casa/Que os anos não trazem mais”.
            Os poemas citados exemplificam a visão de Haroldo de Campos exposta por Bella Josef (1982) de que “a poesia de Oswald de Andrade acusa duas vertentes: a destrutiva, dessacralizante e a construtiva, que rearticula os materiais preliminarmente deshierarquiza” os". Em outras palavras, a poesia oswaldiana é destrutiva no que se refere à forma e à linguagem, pois desfaz a tradição clássica e, ao fazer isso, ele dessacraliza a poesia, despindo-a daquela aura que a tornava inacessível aos brasileiros comuns, considerados não cultos e, dessa forma, (re)constrói a poesia democrática e ao alcance das pessoas simples em seu dia-a-dia.


REFERÊNCIAS

JOZEF, Bella. Modernismo brasileiro: vanguarda, carnavalização e modernidade.Revista Iberoamericana, n. 118-119, p. 103-120, 1982.
CAMPOS, Haroldo de. Uma poética da radicalidade. In: ANDRADE, Oswald de. Pau-Brasil. São Paulo: Globo, 1991.
ANDRADE, Oswald de. História do Brasil. In: ______. Pau-Brasil. 5. ed. São Paulo: Globo, 1991. p. 69-70
ANDRADE, Oswald de. Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade.Rio de Janeiro: Globo, 1991. p. 28.
ANDRADE, Oswald de. Erro de Português. In: RODRIGUÊS, Claufe; MAIA, Alexandra. 100 anos de poesia: um panorama da poesia brasileira no século XX. Rio de Janeiro: O Verso Edições, 2001. V. I, p11.

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